Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
O cigarro apagado que tinha preso entre o dedo indicador e polegar da mão direita era como uma minúscula batuta. Como um maestro, Oliveira agitou a mão traçando no espaço imaginárias linhas retas e curvas – era um desses homens que tem o hábito de gesticular para dar ênfase ao discurso -, olhou para o interlocutor e disse:
“Digo e repito, homens como o Trump no poder representa um grande perigo, amigo Pires.”
O Pires, que não tinha entre os dedos nenhum cigarro – apagado ou aceso -, mas que também tinha o hábito de falar com as mãos, gesticulou e disse:
“Não encaro o Trump com preocupação, quem me preocupa é o Bolsonaro.”
“O que é isso? Qualquer pessoa sensata sabe que o Trump causa mais preocupação que o Bolsonaro.”
“O Trump deve ser preocupação do povo estadunidense, nós somos brasileiros.”
“Sua maneira de pensar está equivocada”, disse o Oliveira, “acompanhe o meu raciocínio: o Trump pode causar um estrago planetário; já o Bolsonaro é chinfrim, não tem tanta relevância assim, só pode causar estrago no Brasil.”
“O que foi que você disse do Bolsonaro?”
“Que ele não tem relevância e...”
“Não, antes disso.”
“Ah, sim, disse que o Bolsonaro é chinfrim.”
“Essa você foi buscar no fundo do baú, acho que a última pessoa que usou a palavra chinfrim foi o Chico Buarque, na letra da música Até o Fim, de 1978”, disse o Pires, “mas, retomando o assunto, deixa ver se entendi, você está preocupado com o Planeta, mas no Brasil o estrago pode correr solto que tudo bem, certo? Isso é falta de patriotismo.”
“O que é que há? Eu não disse nada disso”, defendeu-se o Oliveira, “de mais a mais, o Brasil está inserido no Planeta, um estrago planetário causará estrago por aqui, nunca ouviu falar em globalização? Se só nossa casa pegar fogo, sempre existe a possibilidade de mudarmos para outra casa, mas, se todas as casas forem incendiadas, não teremos para onde nos mudar.”
“Rapaz, você é meio doido!”
“Pode ser, mas estou evoluindo pra completamente doido, um dia chego lá, não obstante, minha teoria já foi comprovada, lembra da ditadura militar, anos de chumbo? Muita gente pegou uma carreira e foi embora.”
“O que você acabou de dizer soou estranho, essa história de pegar uma carreira!...”
“Lá vem ironia! Você sabe muito bem que ao falar em carreira eu me referi à corrida veloz, correria, e não àquela outra carreira que faz viajar.”
“Eu sei, eu sei, é que vivemos dias cruéis, se não fizermos uma piada de vez em quando, viver se tornará insuportável”, pausa, “não vai acender o cigarro?”
“Que cigarro?”
“O que você tem entre o dedo indicador e polegar da mão direita... Acabo de recordar outra música do Chico, Meu Caro Amigo: e a gente vai fumando que, também, sem um cigarro ninguém segura esse rojão...”
“Ah, este cigarro! Vou acender mais tarde, acabo de recordar uma canção do Raul, Metrô Linha 743: dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado...”
E seguiram em direções opostas.