Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
No início da pandemia, durante um almoço familiar em um domingo ensolarado, Azevedo – o patriarca da família – fez o comunicado:
“No próximo ano, pretendo ingressar na edilidade local.”
“Como é que é?”, perguntou dona Laura, a esposa de Azevedo.
“Vou submeter meu nome ao sufrágio no próximo pleito, e assim, concorrer a uma cadeira no legislativo municipal”, repetiu Azevedo, mudando as palavras, mas não o impacto do comunicado.
“E isso é muito grave?”, perguntou Jéferson - filho mais velho de Azevedo e Laura -, o herdeiro que estava iniciando, com o amigo Robson, uma dupla do gênero sertanejo universitário.
“Não entendi a pergunta, filho”, disse dona Laura.
“Quero saber se é grave isso aí que o pai disse”, repetiu Jéferson, “seja como for, podemos organizar uma campanha pela internet, arrecadar algum dinheiro e...”
“É isso o que acontece quando você começa a falar difícil, as crianças não entendem nada”, disse dona Laura, interrompendo o filho e olhando com ares de reprova para o marido, “por acaso está com vergonha de dizer que vai se candidatar a vereador? Quer jogar o nome da família na lama?...”
“Minha decisão está tomada”, disse o Azevedo, “e podem ficar tranqüilos, não vou arrastar o nome da família pra lama, uma vez eleito, realizarei um belo trabalho.”
A família sabia que o Azevedo não ia retroceder. Era homem de palavra.
“Você não tem a menor chance de se eleger”, argumentou a esposa, “é um homem muito sério para transitar no meio da política, não sabe trapacear, não conhece os caminhos da iniqüidade, das tramóias e dos conchavos...”
De fato, o Azevedo era sério até demais. Seu nome lhe cairia com perfeição se dele fosse subtraída a terceira sílaba.
“Não quero que se decepcione”, continuou dona Laura, “você não leva jeito pra política, repito: não tem a menor chance de se eleger, amor.”
“É o que veremos”, disse, irredutível, o Azevedo.
E não se falou mais no assunto. Assim foi até o dia em que, próximo à eleição, o Azevedo distribuiu santinhos para a esposa, filhos, netos – alguns destes já podiam votar, facultativamente -, irmãos, sobrinhos... Enfim, cerca de setenta santinhos. E ficou nisso. Não fez campanha. Contudo, para surpresa de dona Laura, no final da apuração dos votos, o Azevedo foi o vereador mais votado entre todos os candidatos; a bem da surpreendente verdade, recebeu mais votos que dois candidatos a prefeito.
“Não é possível!”, exclamou dona Laura, “há algo de muito estranho no ar, isso não está cheirando muito bem.”
“Isso é um bom sinal”, disse o Jéferson, “quer dizer que não contraiu o vírus, ouvi dizer que quem contrai o vírus perde o olfato.”
No dia seguinte, o Azevedo confessou à esposa:
“Apostei com o pessoal do trabalho, com a turma do clube, com colegas de bar, conhecidos... enfim, no total foram sessenta apostas de quinhentos reais cada, apostei que não teria mais de trinta votos, os sessenta trabalharam, evidentemente, para ganhar a aposta, e cada um deles se transformou em um cabo eleitoral do eleito que vos fala.”
“Mas agora você tem de pagar as apostas”, observou dona Laura.
“Fiz as contas, só com o salário de vereador, quito tudo em seis meses, e sobra!”
Dona Laura teve de reconhecer: não é que o Azevedo levava jeito!