Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
O restaurante está instalado em um prédio antigo e oferece um cardápio variado. Contudo, a especialidade da casa é a feijoada. Esta é servida em todas as feiras, da segunda à sexta; e de quebra, aos sábados e domingos.
Um senhor alinhado ocupa a mesa nove, tem diante de si um peixe grelhado e, como um espião bem treinado, está atento a tudo o que acontece no recinto.
“Quero falar com o gerente”, diz o cliente da mesa oito ao garçom.
“O gerente contraiu o novo vírus”, diz o garçom, “só retorna ao trabalho no dia... que dia é hoje?”
“Sexta-feira.”
“O dia do mês.”
“Ah, hoje é dia seis.”
“O gerente só retorna ao trabalho no dia vinte e um”, completa o garçom, “espero que compreenda a situação, senhor.”
“Claro, nesse caso, é imperativo que o gerente fique em isolamento social, mas, na ausência dele, quem responde pelo estabelecimento?”
“Eu mesmo, pode falar comigo”, diz o garçom, “estou aqui para servi-lo da melhor maneira, algum problema, senhor?”
“Presumo que tenha ocorrido uma confusão quanto ao meu pedido.”
“Deixe-me ver... o senhor pediu feijoada, certo?”
“Exatamente, eu pedi feijoada.”
“Vejamos, lingüiça de carne de porco curada e defumada, o famoso paio; partes do suíno; laranja; couve e demais ingredientes... tudo como manda o figurino, senhor.”
“Sim, todos os ingredientes, o problema está no principal, no feijão.”
“Mas o feijão foi servido, senhor.”
“Sim, mas a feijoada pede feijão-preto, e o feijão que me foi servido não é preto, veja, é feijão carioca.”
“Mas esse feijão não é carioca, parece, mas não é, é feijão-preto, senhor.”
“O QUÊ? Não sou daltônico, esse feijão não é preto!”
“Peço mil desculpas, o senhor não precisa pagar a conta, foi falha nossa, devíamos ter mencionado que o feijão que lhe seria servido é nórdico, praticamente desconhecido no Brasil devido ao preço elevado, trata-se do feijão-preto albino, uma variedade riquíssima em ferro, com altíssimo teor protéico e extremamente nobre.”
“Mas... nunca ouvi falar do feijão-preto albino.”
“Como eu disse, é uma variedade nórdica, nosso restaurante está introduzindo o feijão-preto albino na gastronomia brasileira.”
“E é muito mais caro que o feijão-preto comum?”
“Noventa... cem vezes mais, mas, por enquanto, estamos cobrando pelo albino o mesmo valor do comum”, explica o garçom, apontando para o feijão carioca.
Pouco depois, o cliente da mesa oito pagou a conta, deixou uma gorda gorjeta e se retirou. Então o senhor alinhado da mesa nove chamou o garçom e disse:
“Tenho uma proposta que vai mudar sua vida pra sempre e pra melhor.”
“Como é? Proposta? Senhor?!...”, diz diz o garçom, colhido pela surpresa.
“Trabalho na cúpula da política, em Brasília, sou um caçador de talentos, seu poder de articulação e persuasão é incrível, qualquer Partido Político gostaria de tê-lo no quadro de filiados! O discurso político não precisa ser verdadeiro, apenas convincente, talvez você nem saiba, mas seu discurso já é genuinamente político, meu caro...”