A pesar de sobrevivermos sem o feriado e a folia do carnaval, a não-realização de uma das festas mais tradicionais do Brasil, neste ano, faz lembrar a falta que a normalidade nos tem feito
"Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Mas que beleza, em fevereiro tem carnaval." Quando Jorge Ben escreveu essa música, em 1969, usou certezas bastante conhecidas. O Brasil é tropical e bonito por natureza. Acreditava ser um lugar abençoado por Deus. E, lógico, em fevereiro tem carnaval. Certamente não imaginava que a realidade pudesse um dia derrubar alguma delas. Não que o Brasil não seja mais abençoado por Deus (se bem que há sérias dúvidas sobre essa questão). Não que não seja bonito por natureza (geralmente é mais bonito na parte feita por Deus do que naquela que o homem colocou a mão). A realidade viria desmentir sua letra justamente na parte mais improvável.
Hoje é sexta-feira de carnaval. Ou melhor, seria. Em épocas normais, não se falaria em outra coisa. Desde o réveillon, o assunto seria um só. Na TV, chamadas convidariam para os desfiles das escolas de samba. Matérias jornalísticas mostrariam os preparativos em diversas capitais. Sambas enredos seriam cantados com legenda. Até os comerciais lembrariam a folia. Mas a pandemia fez tudo mudar. Pra muita gente (pra mim também), o carnaval sempre foi um grande feriado. Na verdade, nem era oficialmente feriado, apenas ponto facultativo. Mas a tradição fez desses dias um dos feriados mais aproveitado por todos. Segunda-feira teremos um dia normal, sem folga. A semana começará como todas as outras. Não haverá a terça-feira gorda, nem a quarta-feira de cinzas. Não que isso seja ruim. Estamos mesmo precisando trabalhar (que o diga o comércio). Mas não tem como não estranhar.
A pandemia nos colocou num mundo diferente. Não é nenhuma novidade que grandes eventos mundiais foram cancelados ou adiados. As Olimpíadas de 2020, por exemplo, ainda não aconteceram. Somente grandes guerras zeram mudanças tão abrangentes, causaram desestabilização tão grande na vida das pessoas. Tradições arraigadas como o carnaval fazem com que a vida pareça estar dentro do esperado, que tudo está nos trilhos. Assim é com o Natal, a Páscoa, as Festas Juninas, os grandes eventos periódicos. Em nosso interior paulista, o carnaval nem é tão importante. Mas em lugares como Rio de Janeiro, Salvador e outras cidades do Nordeste, a não realização do carnaval será um marco. Uma triste lembrança destes tempos difíceis. No futuro olharão para esta época como olhamos para as copas do mundo não realizadas em 1942 e 1946, impedidas pela Segunda Guerra Mundial.
O carnaval não fará falta, muitos podem pensar. É verdade. Sobreviveremos, claro, sem a festa e sem o feriado. Não é disso que se trata. O que fará e está fazendo falta é a normalidade da vida. A possibilidade de fazermos coisas simples, como um encontro de amigos, ou grandiosas, como uma festa de carnaval famosa no mundo todo. Dizem que o Brasil só recomeça depois do carnaval. Em tempos de pandemia, o que vai determinar o recomeço é a vacina.