Mais uma semana com muitos assuntos candentes e que mereceriam aclaramentos técnicos desta nossa coluna, escolhemos o da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) permitindo a municípios e estados que comprem vacinas por si mesmos.
Por algumas pessoas, acerca da nossa atual situação sanitária, fui interpelado com a seguinte afirmação: “estamos assim porque o STF tirou o poder do Presidente e deu para governadores e prefeitos”. Seguindo o objetivo didático desta coluna, buscaremos esclarecer o contexto dessa decisão e como funciona nossa federação nesses casos de competência comum.
Aos nove dias do mês de dezembro de 2020, o Conselho Federal da OAB ajuizou uma ação chamada de ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), diretamente no STF, alegando que o Poder Executivo federal estaria inerte em relação a um plano definitivo nacional de imunização contra a Covid-19, com consequente lesão à saúde dos brasileiros.
Dois artigos da nossa Constituição Federal são essenciais aqui, um deles é o art. 196, que diz que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado” e que será garantido por meio de “políticas sociais e econômicas que visem à redução de doença”, o outro deles é o art. 23, que é o ponto chave para entender o que ocorreu, ele diz que é competência COMUM da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios cuidar da saúde, que engloba, por óbvio, medidas contra a Covid-19.
Qual a distribuição ideal de atividades nesses casos de competência comum? Que a União, que tem uma visão a nível de país, coordenasse as ações e políticas públicas de estados e municípios nesse setor. Ela faria o Plano Nacional de Imunização, incluindo nele todas as vacinas seguras e eficazes, e os estados e municípios o executariam.
Voltando ao que foi decidido no dia 24 de fevereiro deste ano pelo STF: caso o plano de imunização fosse descumprido pela União, ou se a cobertura imunológica fosse demorada, os estados e municípios poderiam conceder à população as vacinas que possuíssem, desde que tivessem sido aprovadas pela Anvisa e caso esta agência não expedisse autorização competente em 72 horas, estados e municípios poderiam importar vacinas que já tivessem sido registradas nos Estados Unidos, União Europeia, Japão ou China ou em caráter emergencial no Brasil.
Na sequência, os municípios começaram a se unir em uma Frente Nacional de Prefeitos (FNP) para negociar em melhores condições com os laboratórios estrangeiros. Juridicamente chamada de consórcio público e amparado pela Lei nº 11.107 de 2005, nosso município aprovou o ingresso nesse consórcio em 10 de março de 2021, por meio da Lei municipal nº 6.679.
Resumindo então, a Lei 6.259 de 1975 atribui à União a competência para elaborar o Programa Nacional de Imunização, cabendo aos estados e municípios executá-lo. A matéria da saúde é de competência comum de União, estados e municípios, conforme artigo 23 da nossa Constituição Federal. Devido às manifestações da Presidência da República, transparecendo inércia e omissão em relação a uma política pública de imunização da população brasileira, o Conselho Federal da OAB achou por bem ajuizar uma ADPF, visando a que estados e municípios pudessem adquirir e administrar vacinas no caso de inércia concreta do poder federal, buscando uma decisão judicial para o que já está em nossa Constituição.
Concluindo, o STF não tirou o poder do governo federal, já que ele continua com o poder para imunizar a população em atividades conjuntas com estados e municípios. Para nós, que aguardamos ansiosos pelo imunizante, agora teremos junto da União mais de 5000 municípios e os 27 estados também com a possibilidade de comprar vacinas, o que não parece ser prejudicial à nossa saúde.