Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
A cidade é pequena e pacata, seus habitantes, tranquilos e hospitaleiros. Uma dessas cidades interioranas onde todos se conhecem e convivem pacificamente, desfrutando de clima suave cotidiano bucólico.
Bem, do parágrafo acima quase tudo é verdadeiro, exceção feita à afirmação de que todos se conhecem, pois como é sabido, independente do tamanho da cidade, o distanciamento entre classes sociais é uma convenção, um acordo implícito de que todos têm conhecimento, mas ninguém assume abertamente existir. Exemplo: o juiz, o prefeito e o gari não se conhecem e nunca são vistos juntos, embora sejam colegas de trabalho. E os mendigos, evidentemente não conhecem os cavalheiros e as damas da elite a não ser pelas páginas dos jornais – usados como proteção nas noites frias -, e geralmente na coluna social, raramente por feitos altruístas, generosos e nobres.
Mas... Retomando a história, um belo dia... Melhor dizendo, uma bela noite, apareceu na cidadezinha um homem de nome Wladimir.
Wladimir fixou residência na maior casa da cidade, uma edificação soturna há muito desabitada. Logo correu a notícia de que o recém-chegado pertencia à nobreza. Tratava-se de um estrangeiro que chegara de terra distante onde, inclusive, recebera do rei o título de conde. Foi grande honra para a cidade poder contar com tão ilustre cavalheiro entre seus moradores.
Sobre o conde Wladimir, os homens diziam ser um homem distinto e respeitador, já as mulheres o classificavam como elegante e bonitão. Wladimir era, de fato, um sujeito austero, discretíssimo, além de ser um boa-pinta, sempre aparecendo em reuniões noturnas das famílias da alta sociedade do lugar com seu porte de galã, ostentando um impecável corte de cabelo e barba escanhoada, e usando ternos sóbrios, indefectíveis e personalizados.
A Câmara Municipal decidiu, por unanimidade, homenagear Wladimir. Homem tão nobre merecia, indiscutível e indubitavelmente, receber o título de cidadão local e a medalha da mais alta honraria do município, o que até então nem existia, mas, criou-se em função do ilustre recém-chegado. “Afinal”, brincou o presidente da casa de leis, “um conde merece ser conde... Corado.”
Marcaram uma sessão solene que aconteceu em uma manhã de domingo, mas, para surpresa e desapontamento das autoridades, o conde Wladimir não compareceu para receber suas justas homenagens.
“Sinto-me muitíssimo lisonjeado com as honrarias que a mim foram concedidas”, disse o conde, dias depois, em uma reunião noturna na residência do presidente da Câmara, “e peço um milhão das mais sinceras desculpas por não comparecer à sessão, ocorre que, estava prestes a seguir para a Câmara quando fui acometido por uma súbita e incômoda indisposição.”
Meses depois, em uma conversa entre amigos, o prefeito levantou a questão:
“Nunca vi o conde Wladimir durante o dia.”
“Eu também não”, disse um empresário multimilionário.
E todos os outros disseram o mesmo. Organizou-se então uma atividade de discreta espionagem à residência do conde, este, porém, não aparecia nem mesmo no jardim durante o dia. Com o tempo, desistiram do serviço de espionagem. “Vai ver o homem trabalha à noite em algum projeto e dorme durante o dia”, concluíram.
Os mendigos estranharam a inusitada aparição de um morcego sobrevoando com regularidade a cidadezinha. Mas nada disseram a respeito.