Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
O fato aconteceu em uma farmácia. Uma farmácia pela qual passei no dia do acontecido. A boa notícia é que não estive na farmácia para comprar remédio, mas para cumprimentar uns amigos; a má notícia é que quando ocorreu o fato, eu já não estava na farmácia, tinha ido embora. Vou narrar o ocorrido segundo me disse o Abelardo, ele presenciou o fato que, posteriormente, foi-me confirmado pelos amigos que trabalham no estabelecimento. Aconteceu que, naquela quinta-feira à tarde, a Denisinha entrou na farmácia carregando sacolas de compras de algumas butiques e...
“E então ela, a Denisinha”, disse-me o Abelardo, “aproximou-se da balança, colocou as sacolas de compra sobre uma pilha de fraldas, tirou as sandálias com um movimento gracioso, depois, calma e delicadamente, tirou a blusa e...”
“Prossiga”, eu disse, “está ficando interessante.”
“Uma senhora que estava por perto quis saber a razão por que a Denisinha estava fazendo aquilo, a Denisinha disse que experimentava uma nova dieta e precisava saber seu peso exato, a senhora disse a ela que não precisava ficar nua, podia subir na balança com roupa, mesmo, e depois subtrair um quilinho...”
“Prossiga, prossiga”, exigi.
“A Denisinha parou por um momento”, continuou o Abelardo, “eu precisava agir rápido, disse que não se deve confiar em peso de roupas, que quando se quer exatidão, só mesmo subindo na balança sem uma única peça do vestuário, deu certo, ela concordou e recomeçou a despir-se; rebolou devagar para tirar a calça jeans que estava colada às curvas do corpo monumental, tirou o sutiã... depois foi a vez da minúscula calcinha preta, depositou as peças íntimas na pilha de fraldas e subiu na balança...”
“Continue, continue com o relato.”
“Espere um pouco, você conhece a Denisinha?”
“Mas que pergunta é essa?! É claro que a conheço, há cerca de três anos, estávamos, você e eu, tomando uns chopes aqui nesse mesmo bar quando ela passou pela calçada desfilando sensualidade, lembra? Foi a primeira vez que a vimos.”
“Oh, é verdade, a cena da Denisinha na farmácia me deixou atordoado, ainda não me recuperei totalmente.”
“Se vestida a Denisinha já é uma tentação... Nua, aquela estonteante morena deixaria qualquer um atordoado, mas, prossiga, você dizia que a Delicinha, digo, a Denisinha subiu na balança, e depois?”
“Depois nada, ela conferiu o peso assinalado, deu um sorriso de aprovação, vestiu calmamente a roupa, peça por peça, apanhou as sacolas de compra e deixou a farmácia.”
Eu estava tão empolgado com a história que, só no ponto do relato em que a Denisinha deixou a farmácia é que fui perceber que o Abelardo estava com curativos e hematomas. “E os hematomas e curativos? O que aconteceu?”, perguntei.
“Quando a Denisinha ficou nua, saquei uma flanelinha do bolso, limpei os óculos e comecei a olhar, embevecido, para aquelas curvas impecáveis, minha pressão foi ao topo do mundo com aquela visão de paraíso, foi um Deus nos acuda.”
“Entendo, mas isso não explica os curativos e hematomas.”
“É que eu estava tão fascinado pela Denisinha nua que, na hora, nem me lembrei de um detalhe importante: a senhora que sugeriu que a Denisinha não tirasse a roupa é minha mulher.”
Pedimos mais dois chopes.
Tenho ido à farmácia todas as tardes; sem minha mulher, é claro.
Antonio Rocha Bonfim é romancista, contista, poeta, compositor, letrista, intérprete e colunista deste jornal