Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
O garçom depositou três chopes sobre a mesa doze e se afastou. Pouco depois retornou, olhou alternadamente para os três ocupantes da mesa e disse:
“Perdoem-me a indiscrição, mas... não foram os senhores que estiveram aqui no bar há duas semanas?”
“Sim”, confirmou o mais velho do trio – trinta e dois anos -, de nome Mateus, “o senhor é bom fisionomista, além de ter ótima memória.”
“Ocorre que, há duas semanas, estavam ocupando essa mesma mesa, a doze”, disse o garçom, “isso ajudou no reconhecimento, mas, o que chamou minha atenção naquela ocasião, foi ter ouvido trechos da conversa que vocês tiveram sobre definições, e repito: perdoem-me caso tenha sido indiscreto.”
“Ah, sim”, disse outro ocupante da mesa doze, um de nome Filipe – trinta anos de idade -, “conversamos sobre toró, falange, mito...”
“Espere um pouco”, disse o terceiro ocupante da mesa, de nome Tiago e vinte e sete anos de idade, “naquele dia, deixei de mencionar que... Mito também é uma cidade japonesa situada na ilha de Honshu. Mito é um famoso centro industrial.”
Esqueceu-se de citar o entroncamento ferroviário”, disse o Mateus.
“Se não estou enganado, o nome de Honshu já foi Hondo”, disse o Filipe.
“Não, não está enganado”, disse o Tiago, “de fato, o nome de Honshu já foi Hondo, também é bom destacar que Honshu é a maior e mais povoada ilha do Japão, tem duzentos e trinta mil quilômetros quadrados e mais de cem milhões de habitantes.”
“Muito bem lembrado”, endossou o Mateus, “e é na ilha de Honshu que fica a cidade de Yokohama, Kyoto, Osaka... e até a capital do país: Tóquio.”
“Alguém saberia dizer qual é a população de Mito?”, perguntou o Tiago.
“Cerca de duzentos e cinquenta mil habitantes”, disse o Mateus.
“Cerca de duzentos e cinquenta mil!”, exclamou o Filipe, “muito vago!”
“Admito não ter os dados atualizados em relação à população de Mito”, assumiu o Mateus, com ares de decepção consigo mesmo.
“Sinto falta da bátega do outro dia”, disse o Filipe, depois de breve silêncio.
“O que é bátega?”, indagou o Tiago.
“Aguaceiro forte, pancada de chuva, o mesmo que toró”, respondeu o Mateus.
“Por favor, senhores, há duas semanas vocês disseram que, tratando-se do Bolsonaro, mito é uma forma apocopada de mitômano”, disse o garçom, “ficou pendente a definição de mitômano e apocopado.”
“Pois bem, apocopado é o que sofreu apócope”, disse o Mateus, “e apócope é supressão, amputação, alteração fonética que consiste em suprimir um ou vários fonemas no final de uma palavra; por este processo, mitômano vira mito.”
“E o que é mitômano?”, perguntou o garçom.
“Mitômano é o indivíduo que tem tendência a elaborar mentiras extraordinárias como sendo verdadeiras, em outras palavras, mitômano é o sujeito que tem por hábito mentir e fantasiar frequentemente.”
“Sendo assim, você tem razão”, avaliou o garçom, “o discurso do Bolsonaro na Sessão de Abertura da Assembleia Geral da ONU é a prova irrefutável de que o mito atribuído a ele é mesmo uma forma apocopada de mitômano, o sujeito é um mitômano inveterado e incorrigível, um mentiroso contumaz... Outra rodada, senhores?”
“Sim, outra rodada”, disseram uníssonos os irmãos Tiago, Filipe e Mateus.
E o garçom foi buscar mais três chopes.