Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Em seu pequeno restaurante, Aloísio Mendes, macambúzio, analisava os preços dos alimentos: assustadoramente altos. O gás, combustível, energia elétrica... Tudo pela hora da morte. Há décadas a inflação tornara-se apenas uma recordação sombria, mas, recentemente retornara. Viver no país estava ficando inviável.
Aloísio encontrava-se sozinho no restaurante. Era hora do almoço, mas os clientes haviam desaparecido. No pé em que a economia andava, não restava alternativa senão fechar o estabelecimento. Quanto ao ministro da economia, o presidente da República e outros membros do governo, continuavam a propalar suas recorrentes sandices.
Aloísio Mendes estava sentado em uma cadeira, cabisbaixo, absorto em pensamentos. Assim ficou durante horas. No meio da tarde, quando se levantou de onde estava e lançou um olhar para fora, foi sacudido por uma visão aterradora...
Mendes constatou que o mundo multicolorido tinha desaparecido. Viu apenas uma cor, uma cor de refresco de tamarindo; era como se tudo estivesse coberto pelo marrom do dorso de um imenso guanaco.
Depois de fechar portas e janelas do restaurante, Aloísio ficou olhando para o mundo marrom através dos vidros. Estava quedo, como que mergulhado em um transe hipnótico. Depois de alguns minutos de tenso silêncio, soou a seguinte pergunta:
“Por gentileza, posso ver o cardápio, senhor?”
O proprietário do restaurante sentiu um calafrio. Girou cento e oitenta graus e deparou-se com um homem de capa preta e cabelos bem aparados. Havia algo de sinistro naquele visitante, algo que fez o sangue gelar nas veias de Aloísio.
“Posso ver o cardápio, senhor?”, repetiu o homem da capa preta.
“Não estamos servindo refeições”, disse Aloísio, recompondo-se do susto, “sinto muito, senhor.”
“Oh, é uma pena.”
Aloísio conhecia todos os clientes do restaurante, tratava-se de clientela fixa formada por trabalhadores das imediações que ali faziam uma rápida refeição, entretanto, era a primeira vez que via o homem da capa preta.
“O senhor é aqui do bairro?”, perguntou o dono do restaurante.
“Eu vim de longe.”
“De outra cidade?”
“Mais longe.”
“Outro Estado?”
“Mais longe ainda.”
“Outro país?”
“Ainda mais longe.”
“Então?!...”
“A distância que percorri não pode ser definida nem mesmo em anos-luz.”
Foi então que Aloísio foi sacudido por um pensamento intrigante e perguntou:
“Como foi que o senhor chegou aqui?”
“Eu vim na nuvem de poeira”, respondeu o homem da capa preta, “estou sempre por aqui, por ali, acolá... Às vezes uso a estratégia da alomorfia, e também delego poderes, sou representado por muitos poderosos, pessoas que o senhor nem imagina, por vezes até involuntariamente, abraçam minha causa.”
E então o homem da capa preta sumiu na poeira. De vez em quando o Aloísio ouve um silvo de serpente. Tudo obedecendo ao script original...