Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
A turma é formada pelos casais: Seixas e Sofia, Campos e Mônica, Ramos e Natascha, e Hilário e Tânia; além do professor, filósofo e escritor Dagoberto, e da estonteantemente bela Sheylla Karla. A novidade é que o Seixas, o Dagoberto, o Campos, o Ramos e o Hilário criaram um grupo musical chamado: Os Sincréticos Sinceros. Durante uma quinzena, Os Sincréticos Sinceros – adotando todas as medidas de proteção contra o novo vírus -, reuniram-se para ensaios. E depois de relativo isolamento social, a turma retomou os costumeiros encontros.
Pode-se afirmar que a Raquel também pertence à turma. Embora não saia frequentemente com os outros dez, a Raquel é a única da turma que tem muito dinheiro, uma das poucas pessoas multimilionárias do país que não se deixou contaminar pelo inseto rasteiro, deformado e arrogante da avareza. A Raquel é generosa e tem o espírito altruísta de um mecenas, vive patrocinando atividades diversas em setores artísticos e culturais, foi ela quem comprou os instrumentos musicais, alugou local para ensaios e providenciou tudo o que, de alguma maneira, envolveu dinheiro, para que Os Sincréticos Sinceros se tornasse realidade. E convidou o grupo para uma apresentação em sua residência. O convite foi, evidentemente, aceito.
Na casa da Raquel, o grupo fez um show de quase noventa minutos, onde apresentou variados gêneros musicais, com ênfase no Jazz. Metade do show foi dedicada a Chet Baker, Duke Ellington e Benny Goodman. Terminada a apresentação, a turma foi tomar chope e conversar.
“Excelente apresentação”, disse a Raquel, “Os Sincréticos Sinceros tem um som afiado, afinado e requintado, quero ser a primeira a parabenizá-los.”
O grupo agradeceu e a Raquel foi ao encontro de outros convidados. Várias pessoas parabenizaram o grupo, no entanto, o Dagoberto estava sorumbático, o que levou o Campos a perguntar:
“Você parece distante, o que foi? Não gostou do som, Dagoberto?”
“O som ficou ótimo”, disse o Dagoberto, “acima das expectativas, levando-se em consideração o número reduzido de ensaios. Estou pensando em Zygmunt Bauman.”
“Aquele sociólogo polonês que propôs o conceito de modernidade líquida?”, perguntou o Hilário.
“O próprio”, disse o Dagoberto, “em resumo, a modernidade líquida define o atual momento de transformação da sociabilidade humana.”
“Em síntese, aponta a tendência do cidadão em priorizar a busca, desenfreada e a qualquer preço, da afirmação no espaço social”, disse o Ramos.
“E o fim de perspectiva de planejamento para longo prazo”, observou o Seixas.
“Ás vezes sinto a morte da utopia”, disse o Dagoberto, “e então recordo o filósofo Herbert Marcuse, da Escola de Frankfurt, e me convenço de que utopia não é algo irrealizável, mas algo possível ainda não realizado”, depois de breve pausa, concluiu, “é possível transformar, se ao menos o presidente, que influencia pessoas, dissesse algo sensato à nação de vez em quando, se promovesse livros em vez de armas de fogo...”
“Quanto otimismo!”, disse o Seixas, “é mais fácil você receber um abraço da Vênus de Milo que ouvir uma sensatez partindo do Bolsonaro.”
Todos riram. Todos os dez. As mulheres também, incluindo a encantadora Sheylla Karla, que três dias depois, telefonou para a Tânia e disse:
“Então, assim, procurei no Google, a Vênus de Milo é muito velhinha, do século dois antes de Cristo, e também não tem braços, entendi a piada do Seixas, amiga...”