Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Parecia displicente. O olhar distante, aleatório, característico daqueles que acabam de chegar de outra realidade, de algum universo estranho ou algo que o valha. Era sábado e tinha nas mãos um livro de Sábato. Por um momento uniu a meditação filosófica ao realismo e à ficção. Mas, o que era meditar filosoficamente? O que era real? O que era fictício?... Descobriu que tinha mais perguntas que respostas. Sentiu-se recém-saído de um túnel que servia de abrigo a heróis e tumbas. Precisava acostumar-se à nova condição. Lavou as mãos na areia e arriscou uma sentença murmurante:
“A única certeza que existe é a incerteza.”
“A apatia não é aconselhável, os dados ainda estão rolando.”
“Devo resistir, é isso?”
“Sim, é isso, pense naa águas de outrora, berço dos organismos unicelulares; pense nos peixes; nas plantas sem folhas; na emoção que se pode experimentar ao apreciar com os olhos da alma a primeira samambaia; nas coníferas originais...”
“É! Muitas rochas rolaram, e as águas lamberam e fluíram. Lembro-me do pranto que derramei todas as vezes que o amor foi agredido, e do sorriso de contentamento que sorri quando o amor soube perdoar e perdurar.”
“Perscrute a fala do Homo sapiens. Refaça mentalmente todos os passos da grande aventura da comunicação.”
“E posso rever o surgimento do desenho e da escrita pictográfica.”
“Sim, e revisitar a Mesopotâmia e presenciar o surgimento da escrita cuneiforme.”
“E ver o emblemático momento em que os fenícios criaram o primeiro alfabeto, aquele que só tinha consoantes.”
“Como você bem sabe, pensa-se melhor em silêncio. O silêncio a tudo precedeu na grande aventura do saber, e todos os sons cabem dentro do silêncio.”
“O silêncio é mesmo poderoso, mas, para que ele se instale, o som precisa calar-se... isso é curioso! Misto de paradoxo e antítese.”
“A voz do silêncio sussurra altruísmos àquele que abre as portas do coração para o amor entrar; isso não é paradoxo nem antítese, é fato.”
“Identifique-se, por gentileza.”
“Sou a sua consciência, meu caro.”
“Retomando o fio de raciocínio, aprendi uma antítese interessante: julgar-se superior é a maior prova de inferioridade que alguém pode demonstrar.”
Do ponto em que estava, podia ver o dourado que o sol do final de tarde derramava sobre o leito do rio. Pensou sobre as horas. As horas bailavam antes de receberem o nome de horas, mesmo antes do surgimento oficial do bailar as horas bailavam.
E do ponto em que estava, viu-se inserido no bailar das horas. E viu, na margem oposta do rio, árvores esparsas preparando-se para receber a luminosidade do luar. Apesar do momento nefasto, havia beleza no bailar das horas daquele sábado.
Os homens se perderam. E criaram e propagaram mirabolantes teorias de conspiração que objetivavam o confronto. E surgiu a manipulação da memória histórica dos povos. Ridicularizaram o amor e exaltaram o ódio. Uma poça de água no asfalto tornou-se águas profundas e a fealdade instalou-se com a desumanização do mundo... e vendeu-se a ideia de que a guerra era algo necessário para assegurar a paz.
Silencioso, com a serenidade dos sábios e um sorriso limpo... retornou ao pó.