"Voltamos!". Com essas palavras - e uma charge retratando o Papa, um jihadista e a líder de extrema-direita Marine Le Pen como um bando de cães raivosos -, o jornal satírico "Charlie Hebdo" voltou nesta quarta-feira (25) às bancas.
Esta é a primeira edição do jornal depois daquela que ficou conhecida como "edição dos sobreviventes", publicada no dia 14 de janeiro após a redação do jornal sofrer ataque em que 12 pessoas morreram, inclusive alguns dos cartunistas mais amados na França.
A edição que circula nesta quarta-feira tem tiragem de 2,5 milhões de exemplares, com lançamento estendido aos Estados Unidos.
O "Charlie Hebdo" tem um longo histórico de controvérsias judiciais ao satirizar toda sorte de figuras políticas e religiosas, e a nova edição de 16 páginas não é exceção à regra.
O presidente Nicolas Sarkozy, contestado por viajar ao exterior e cobrar altos valores como conferencista, foi apenas uma das vítimas - retratado em um palanque, com os pés enfiados numa montanha de dinheiro que ganhou desenho em forma de escada.
O jornal também lançou um olhar sobre o desemprego na França; católicos e a aversão ao Gleeden, sítio na internet que incentiva relações extraconjugais; Le Pen e os jihadistas.
O periódico ainda publicou uma comovente mensagem de agradecimento aos apoios que recebeu após o ataquede janeiro. "Agradecemos às crianças do jardim-de-infância que se juntaram e nos fizeram uma doação. Agradecemos ao menino que tirou cinco euros de sua carteira e nos enviou", está escrito no texto.
Também foi publicada uma entrevista com Yanis Varoufakis, ministro da Economia da Grécia, que tem um perfil antiausteridade.
"Na Idade Média, 'médicos' receitavam sangrias, que pioravam a saúde do paciente, e aí o 'médico' aplicava mais sangrias", disse Varoufakis a certa altura. "Esse é o tipo de 'argumento' que ilustra perfeitamente a situação na Europa: quanto maior o fracasso da política de austeridade, mais ela é receitada".
Isolamento
Uma semana após o ataque à sede do jornal, ocorrido em 7 de janeiro, os colaboradores se isolaram por uma "questão de sobrevivência". "Precisávamos de um tempo para descansar... Houve quem precisasse voltar a trabalhar normalmente, como eu, e quem quisesse estender esse período", declarou Gerard Biard, agora editor-chefe.
"Tínhamos nos compremetido a voltar no dia 25 de fevereiro, para retomar as edições semanais".
No total, os ataques extremistas no mês passado acarretaram na morte de 17 pessoas. O ataque à redação do "Charlie Hebdo" no dia 7 de janeiro deixou 12 mortos, entre eles os cartunistas Stéphane Charbonnier, conhecido como Charb, e o lendário Georges Wolinski.
Também morreram dois policiais, um deles alvejado na rua durante a fuga dos atiradores, mais tarde identificados como os irmãos franceses filhos de argelinos Chérif e Said Kouachi, que disseram "vingar o profeta Maomé". O jornal já havia sido alvo de um ataque no passado após publicar uma caricatura de Maomé.
Após identificados dos atiradores, a polícia começou uma busca que passou pelas regiões de Villers-Cottêrets, onde os suspeitos foram vistos, e Crépy-em-Valois, antes de ser direcionada a Dammartin-en-Goële, onde eles invadiram uma empresa no dia 9 de janeiro.
Durante o cerco aos irmãos Kouachi, incidentes foram reportados em Paris na quarta e quinta-feira, incluindo a morte da policial no município de Montrouge, atribuída a Amedy Coulibaly.
Coulibaly invadiu um mercado de comida judaica em Paris e fez reféns ao mesmo tempo em que os irmãos Kouachi estavam cercados em Dammartin-en-Goële. Duas ações policiais simultâneas mataram os três terroristas. Quatro reféns também foram mortos.
A "edição dos sobreviventes", que começou a circular no dia 14 de janeiro, teve uma procura acima da média graças às pessoas que saíram de madrugada para garantir um exemplar nas bancas de jornal de todo o país.