Nesta semana tive a oportunidade de participar da Assembleia da CLAR – Conferência Latino Americana dos Religiosos, em Quito, no Equador.
A entidade talvez não seja tanto conhecida. Mas ela é muito importante no contexto da Igreja da América Latina. Basta ter presente os milhares de Irmãs, Irmãos, Padres, das muitas Congregações que se fazem presentes, desde os primórdios da Igreja no continente americano, e que há 53 anos se articulam, através da CLAR.
Se olhamos as datas, percebemos a proximidade da trajetória da CLAR com a caminhada de renovação da Igreja, impulsionada em nossa época pelo Concílio Vaticano II.
Na sempre delicada tarefa de propor objetivos comuns, dentro da indispensável comunhão eclesial, se constitui num fator de segurança cultivar as grandes referências que balizam a missão da Igreja em nosso tempo. Entre as referências que continuam válidas, está, certamente, o Concílio. Daí o acerto da CLAR, de evocar o Concilio durante sua assembleia, ainda mais que neste ano é a Igreja toda que o recorda, no cinquentenário de sua abertura oficial.
Entre tantos aspectos, que a reflexão da CLAR só teve o tempo de acenar de leve, encontra-se uma coincidência que coloca desafios muito especiais para a Igreja da América Latina,
Acontece que o Vaticano II encontrou a Igreja da América Latina em pleno processo de afirmação de sua própria identidade eclesial. O continente latino americano, e a Igreja da América Latina, estavam despertando para assumirem sua própria identidade, libertando-se de dependências históricas, que de diversas maneiras tinham impedido a afirmação de sua autonomia.
Seria muito interessante conferir em que medida a recepção do Concílio estimulou e fortaleceu esta identificação, ou de que maneira esta identificação foi obstaculizada.
Em primeiro lugar é forçoso reconhecer que o Concílio se constituiu num fator de grande incentivo para o processo de descentralização eclesial. Pois o Concílio forneceu o suporte teológico, que possibilitava sonhar com a sadia diversidade de Igrejas Locais, que iriam enriquecendo a Igreja Universal, por suas fisionomias eclesiais próprias.
O continente latino americano estava sequioso de autonomia política e de afirmação de sua identidade. A Igreja estava disposta a abraçar as causas do povo, contribuindo com sua presença de serviço e oferecendo a riqueza de sua fé, que estimulava a integração de valores culturais e humanos em sua fisionomia eclesial.
O Concílio Vaticano II veio fecundar o processo libertário da América Latina, envolvendo a Igreja de maneira muito intensa.
Em primeiro lugar, portanto, o Concílio despertou a Igreja da América Latina, incentivando-a assumir sua própria identidade, de maneira autônoma e responsável.
Ao mesmo tempo, começaram cedo as resistências a este processo, sobretudo diante de algumas expressões eclesiais que se tornariam típicas da Igreja na América Latina, e que podem ser assim elencadas: as Comunidades Eclesiais de Base, a opção pelos pobres, a Teologia da Libertação e a leitura popular da Bíblia.
A mais contestada de todas, a Teologia da Libertação, é aquela que mais pode encontrar sua justificativa. O povo da América Latina, seus países, a própria Igreja, estava vivendo um processo libertário, que precisava com urgência ser sustentando em suas motivações. Necessitava de uma “teologia da libertação”, solicitada por um processo que o Concílio incentivava, de atenção para com os “sinais dos tempos”...
Basta este breve aceno ao contexto histórico, para dar-nos conta do tamanho das questões que uma avaliação do Concílio solicita. Ele foi um grande concílio, e só com espírito grande é possível aquilatar a consistência de suas propostas, que ainda aguardam uma aplicação condizente com a sua profundidade.
*Dom Demétrio Valentini é bispo diocesano de Jales