O desenvolvimento social e as conquistas da civilização ocorrem ao sabor de movimentos quase imperceptíveis, que deságuam em momentos capitais que se inscrevem na história. A política também é assim, sobre as realizações dos antepassados novos paradigmas surgem como estandartes de cada nova geração. O regime do medo foi sucedido pelo da liberdade; o regime da liberdade foi ampliado para o gênero feminino; os gêneros buscaram e alcançaram a igualdade jurídica, avançando na isonomia material; a múltiplas opções ideológicas, culturais, sexuais, religiosas etc. buscaram abrigo na fraternidade e no respeito à diversidade.
Em momento de rara felicidade, durante a cerimônia de celebração dos 80 anos da criação da Justiça Eleitoral no Brasil, e da instalação do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, no dia 25 de junho, justa homenagem prestou-se a Elvira Komel. O sobrenome pode esconder a alguns a nacionalidade brasileira e o espírito indômito das raízes mineiras, pois se trata de personalidade ímpar, cuja identidade é pouco conhecida dos próprios conterrâneos.
Nascida em 24 de junho de 1906, em São João do Morro Grande (atual Barão de Cocais), em sua breve vida, extinta em 25 de julho de 1932, mal completados 26 anos, Elvira Komel notabilizou-se como primeira advogada militante no foro de Belo Horizonte (formou-se em 1929) e sufragista, cuja importância revela-se na conquista do direito ao voto pelas mulheres. Filha de pai austríaco, Ernesto Komel, e de mãe mineira, Maria Severina Correa Guedes, consta ter sido Elvira a primeira ou, seguramente, uma das primeiras mulheres alistadas eleitoras em Minas Gerais.
Sua personalidade mostrou-se na combatividade do foro e na Revolução de 1930, comandando, em Minas Gerais, o Batalhão Feminino João Pessoa (nome dado em homenagem ao governador paraibano assassinado). Sob suas ordens, mais de 8.000 mulheres, em 52 das mais progressistas cidades de Minas. Com seu entusiasmo cívico, encaminhou a realização do I Congresso Feminino Mineiro, em junho de 1931, pela defesa dos direitos da mulher, evento paralelo ao II Congresso Internacional Feminista, ocorrido no Rio de Janeiro, sob direção de Bertha Lutz. O congresso presidido por Elvira Komel contou com representantes de 51 municípios mineiros e, ainda, delegações dos estados do Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraíba, sendo considerado de pleno sucesso.
Ironicamente, pouco depois da criação da Justiça Eleitoral, da instalação do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais e do reconhecimento do direito de voto às mulheres (através do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que instituiu o Código Eleitoral Provisório), Elvira Komel faleceu, deixando consternados o meio intelectual e a sociedade mineira. Mas a obra da sua vida perdura, apesar da falta de mais e merecidas homenagens àquela que viabilizou tantas carreiras femininas.
*Bruno Terra Dias é presidente da Associação dos Magistrados Mineiros