Por suas festas populares, o mês de junho mostra a face humana da fé cristã. Além dos santos tradicionais, com data marcada pelo calendário do mês, costumam ocorrer em junho a festa de Corpus Christi, e a festa do Sagrado Coração de Jesus, assinaladas pelo calendário semanal.
E´ o que acontece neste ano. As duas primeiras semanas do mês de junho são assinaladas pela festa do Corpo de Deus, numa quinta-feira, e a pela festa do Sagrado Coração de Jesus, numa sexta-feira.
Por terem caráter tradicional, estas “festas juninas” são por vezes consideradas de segunda categoria, por trazerem ingredientes populares nas suas celebrações.
Verdade é que toda “devoção popular” precisa ter na liturgia oficial da Igreja um parâmetro que lhe sirva de inspiração e de modelo, como ponderou o Concílio. Mas a dimensão humana, tanto da liturgia oficial, como das festas populares, não desmerece, mas aumenta o seu valor, quando assumida em referência às grandes verdades da fé cristã.
Nestas festas, a verdade maior, a ser invocada como iluminação, é o mistério da encarnação. A fé nos diz que o próprio Deus se humanizou, assumindo nossa natureza, e vivendo “igual a nós em tudo, menos no pecado” como observa São Paulo.
Pela encarnação, Deus se colocou ao nosso alcance. Se ele se humanizou, nós somos chamados a humanizar nosso relacionamento com ele.
Por isto, a teologia encontra na natureza humana suas melhores analogias para falar do mistério de Deus. E a liturgia encontra na humanização o seu critério mais profundo e abrangente.
Numa época em que volta com força a rigidez do rubricismo na liturgia, mais se torna importante invocar o critério da encarnação. Um gesto litúrgico será tanto mais autêntico, quanto mais assumir a forma humana.
Na Eucaristia Cristo nos dá o exemplo maior de valorização dos símbolos humanos. No pão e no vinho ele colocou a simplicidade de uma refeição, fácil de fazer, e ao mesmo tempo a nobreza de um alimento, bem preparado e bem servido, “fruto da terra e do trabalho humano”.
Ao redor deste gesto, simples e fecundo, nasceu a liturgia da Igreja, cuja celebração pode assumir as variadas formas que as circunstâncias humanas sugerirem como convenientes. A festa do “Corpo de Deus” é uma dessas formas, que se justificam pela dimensão humana da memória deixada por Cristo.
Igualmente a festa do “Coração de Jesus” , na semana seguinte à festa do Corpo de Deus, é também uma celebração impregnada de humanidade. O próprio Jesus acenou para o seu coração, dizendo: “vinde a mim todos vós... porque.. sou manso e humilde de coração”. E o Evangelho faz questão de narrar o episódio final da crucificação, em que o soldado fere com a lança o coração de Jesus, do qual saiu “sangue e água”. Como o próprio Cristo, também o seu coração se tornou sinal do seu amor por nós.
Diz a Carta aos Hebreus que Jesus “não se envergonha de nos chamar de irmãos” (Heb 2, 11). Quem despreza as celebrações populares, certamente não está em sintonia com o mistério de Deus.
Humanizar a fé é caminho seguro para a sua autenticidade e sua eficácia.
*Dom Demétrio Valentini é bispo diocesano de Jales