Relato de uma amiga na Espanha para outra amiga no Brasil: “Assim é, cara Fla. Nossa família tem casa. Eu trabalho ainda mais. Muitas famílias ficam na rua. Nunca na história da Espanha, acredite! Vendem-se todas as propriedades. Meu pai não tem medicinas gratuitas. Meu irmão, engenheiro eletrônico, não tem trabalho depois de 25 anos. Os professores ainda temos salário, mas Deus sabe até quando. Mais de 3000 pessoas morrem nos hospitais públicos.
A Espanha é o país mais corrupto da Europa depois da Itália. Deus meu!... Ficamos na espera do governo da Alemanha. A situação é de emergência, diz o presidente (estúpido conservador). Eu fico tristíssima, estressada. Gostaria de viajar para o Brasil, mas não tenho dinheiro. Tudo é preciso para a família, Manolo desempregado, meu irmão, etc.
Os movimentos sociais têm tanto que lutar. Nossa energia é limitada! Pode ser que um dia precisemos do refúgio com vocês. Beijos, obrigada, preciso dormir, nos falamos.”
A mensagem é de abril. Outra mensagem, também de abril: “A luta é dura. Todos os direitos perdidos completamente. Precisamos apoio de todos os lugares. Toda a difusão possível. Os cortes e a privatização da saúde e educação já estão aqui. De Guindos anuncia a reforma da saúde e educação, isto é, sua privatização total. Agora é mais que nunca necessário ‘salir a la calle’ (ir para as ruas): no próximo domingo, 15 de abril, nos mobilizaremos em diferentes cidades do Estado em defesa da saúde e da educação públicas. A luta contra o desmantelamento dos serviços públicos será ampla e dura. CAS (www.casmadrid.org) é independente do poder. Por isso, funcionamos com trabalho voluntário e sem subvenções. Porém, para seguir lutando contra a privatização necessitamos da ajuda de todos.
Também necessitamos de companheiros e companheiras: que difundam e repartam a informação – internet, na rua... -, desenhistas, tradutores, advogados que preparem atos informativos”.
Manchete da Folha de São Paulo (30.05.12, A22, Mundo): “Crise ameaça políticas sociais na Europa – Há cerca de dois anos, governos de países europeus vêm cortando pensões, seguro-desemprego e ensino gratuito”. E as informações da matéria jornalística: “Alta do desemprego reduziu a arrecadação de impostos que financiam o Estado de bem-estar social. Além de destruir empregos e gerar insegurança nos mercados, a crise econômica também ameaça dinamitar uma das características fundamentais da Europa: o Estado de bem-estar social, modelo de políticas sociais adotado pelo continente depois da Segunda Guerra Mundial”.
Segue a matéria: “Em março, um fórum em Bruxelas alertou ser ‘improvável’ a sobrevivência dessa política diante da crise. Há cerca de dois anos, governos de países europeus vêm cortando pensões, seguro-desemprego e ensino gratuito, quebrando um consenso de que nunca mexeriam nesses gastos. Em 2010, Portugal reduziu pela metade o salário extra de Natal que concedia aos trabalhadores. Na mesma época, a Espanha anunciava seus primeiros cortes em políticas de bem-estar social, como o do cheque-bebê, apoio a recém-nascidos para incentivar a natalidade. Em 2011, a aposentadoria entrou na mira dos governos: o Reino Unido mexeu nas pensões e aumentou as contribuições pagas por funcionários públicos. A Itália subiu em três anos a idade mínima para aposentados – a ministra do trabalho chorou quando o anunciava.
Em 2012, os cortes foram mais profundos. A Espanha anunciou fim de benefícios na educação e saúde, como a distribuição de remédios para idosos e o pagamento de taxas universitárias antes bancadas pelo governo. A Holanda, modelo de políticas de bem-estar, viu seu governo cair em abril por causa de um duro pacote de medidas de ajuste. Especialistas acham que a Europa não se sustentará econômica e socialmente sem essas políticas”.
O que fazer? Qual a saída?
Em primeiro lugar, como a diz a mensagem vinda da Espanha, ‘salir a la calle’ – ir para as ruas. Lutar, como os Indignados de Barcelona ou os do ‘Occupy Wall Street’.
Em segundo lugar, mudar os governos no voto, como acabou de acontecer na França. Neste caso, porém, o perigo mora no outro lado, como mostra outra manchete: “Grupos xenófobos já compõem nove governos europeus – Na mostra mais recente de aumento do poder da extrema direita, veto de líder radical holandês derruba governo e acirra crise mundial” (Estado de São Paulo, 29.04.12, A12 Internacional). E os detalhes da notícia: “Considerada uma ameaça à democracia por incitar ao racismo e à xenofobia, a extrema direita adaptou seu discurso e, diante da crise financeira europeia, chegou ao poder em vários pontos da Europa. Nove países europeus já têm partidos de extrema direita em suas coalizões de governo central ou como peças fundamentais nos Parlamentos. Em diversos outros, prefeituras são ocupadas por políticos desses partidos. A base de apoio, na maioria dos casos, vem justamente dos jovens, desempregados ou temerosos em relação a seu futuro”.
Segundo Jamie Bartlett, que conduziu estudo feito pelo Instituto de Pesquisa britânico Demos, “há milhares de pessoas desiludidas na Europa hoje. Estão frustradas com os partidos tradicionais, com as instituições e preocupadas sobre seu futuro pessoal. Encontram, portanto, em partidos ativos e motivados respostas simples para seus problemas. Políticos europeus precisam começar a escutar essas vozes e dar respostas”.
Depois do neoliberalismo, ou por causa dele, a crise bateu à porta da Europa. É preciso cuidado, muito cuidado para que não bata à porta do Brasil e da América Latina.
*Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República