A festa de São Pedro, neste final de semana, enseja uma boa oportunidade para conferir a posição do Concílio Vaticano II, neste ano do seu jubileu.
Uma das características deste concílio é o fato de ele ter sido convocado sem um problema específico a resolver. O Papa Pio XII tinha deixa a Igreja em perfeita ordem. A rigor, não havia necessidade de um concílio.
Na verdade, a pronta acolhida da ideia de um concílio, lançado por João XXIII, cedo mostrou quantos assuntos podiam ser abordados com proveito, em nível de concílio.
Um assunto muito importante estava pendente desde o Concílio Vaticano I, que foi interrompido e não pôde ser concluído. Tratava-se de completar o ensinamento sobre o governo da Igreja. O Vaticano I tinha definido bem a função do Papa, explicitando sua incumbência de sinal de unidade e de garantia de fidelidade de toda a Igreja a Cristo.
Faltava falar da missão dos Bispos, que com o Papa partilham suas responsabilidades para com toda a Igreja.
A missão do Papa é reconhecida, de modo tradicional, como exercendo na Igreja o Primado, palavra que evoca a missão eclesial dada por Cristo a Pedro, de cuidar de todo o rebanho.
A missão dos Bispos é expressa pela “Colegialidade Episcopal”, expressão cunhada pela Igreja para indicar a responsabilidade conjunta que Cristo confiou aos Doze Apóstolos.
Confirmando tudo o que o Vaticano I tinha dito a respeito do Papa, reconhecendo, portanto, o Primado concedido a Pedro, o Concílio se dedicou exaustivamente a propor com clareza a missão dos Bispos, definindo a “Colegialidade Episcopal”
Atenta ao formato que Cristo deu ao seu grupo de Apóstolos, o primeiro e fundamental “Colégio Episcopal”, a Igreja faz questão de ressaltar sua continuidade, na mesma comunhão e na mesma missão. A missão confiada aos Doze, comporta a comunhão e a igualdade entre eles, e ao mesmo tempo a missão própria confiada a um deles, Pedro, a serviço da unidade e da fidelidade de todos os outros.
Para a vida da Igreja são indispensáveis tanto a dimensão de colegialidade, como a dimensão de primado. Ambas estão a serviço da comunhão eclesial e da fidelidade a Cristo.
Quando se rompe o equilíbrio entre Primado e Colegialidade, a Igreja fica exposta a rupturas, fáceis de irromper e muito difíceis de serem depois superadas.
Em todo o caso, da reta visão da colegialidade episcopal, e da visão da Igreja como Povo de Deus, derivam as grandes intuições pastorais do Concilio Vaticano II, mostrando que o fato do Concílio ter sido doutrinário, não invalidada sua importância pastoral. E dito de outro ponto de vista, o fato deste Concílio ter sido “pastoral”, não invalida o conteúdo “doutrinário” que ele ostenta.
Uma dessas grandes intuições pastorais ressalta a importância das Igrejas Locais, como concretizações da Igreja nas realidades onde ela se insere, na diversidade de raças e culturas.
Igualmente a importância das comunidades eclesiais, onde o Evangelho pode ser vivido na prática da convivência cotidiana e da inserção no mundo.
A Igreja da América Latina nunca colocou em dúvida a importância do primado de Pedro, expresso pela figura do Papa. Será que não estaria na hora de deixar mais espaço para o exercício da colegialidade, inclusive para que a Igreja Católica da América Latina tenha condições de ir ao encontro do povo que quer participar ativamente da vida da Igreja, e nem sempre encontra o espaço adequado nas atuais estruturas da Igreja?
De novo se percebe como a recepção do Concílio não esgotou ainda sua potencialidade.
*Dom Demétrio Valentini é bispo diocesano de Jales