Na semana passada fiz uma relação entre um filme e a história “Prometeu Acorrentado” de Ésquilo. Quero retomar esse mito grego com outro viés. A simbologia do texto do trágico grego é riquíssima. No texto “Prometeu Acorrentado” o protagonista que dá nome à obra ensina a técnica aos homens, o que gera uma sanção de Zeus: ficar acorrentado a uma montanha e ter o fígado comido e reconstituído eternamente. Vejamos outra possível interpretação.
Ao aprenderem as técnicas (o fogo de Prometeu) os homens também se tornam divindades, ou se tomam assim. Vale ressaltar que na história, além da técnica, o personagem grego entrega aos homens a esperança. Temos um quadro simbólico montado: Zeus representa as divindades, Prometeu representa a humanidade, e o fogo representa a técnica. As correntes sobre Prometeu podem ser relacionadas ao aprisionamento a que os homens ficarão perante a técnica.
O homem é um ser advindo da natureza, mas tem a capacidade de se arrancar dela. A técnica é aquilo que a humanidade utiliza para sobreviver perante a natureza e construir seu mundo. Quando o homem nasce ele não tem condições somente biológicas de sobreviver, a técnica vem para preencher tal carência. Em suma, a técnica é imprescindível para a perpetuação da humanidade.
Entretanto, o mito também prevê a completa dependência que os homens têm da técnica. O personagem Prometeu acorrentado pode ser interpretado como a humanidade presa à técnica. A técnica nasce como uma forma de mediação entre o homem e a natureza, na contemporaneidade a técnica se torna parâmetro para todas as outras formas de pensar e agir, assim, ela se torna um fim em si mesma e deixa de ser meio. Dessa forma, a razão humana tem como característica exclusiva ser instrumental, e seu único princípio é ser eficaz.
A objetividade da técnica invade todos os modos de vida atuais. Todos nós vivemos dentro da lógica tecnicista. Algumas graves consequências:
a) O conhecimento passa ser associado à eficácia: por isso várias áreas que lidam com a reflexão estarem em crise ou serem desprezadas. Não há mais lugar no mundo contemporâneo para a filosofia, para a história, para as artes, por exemplo.
b) União entre o poder e a técnica: a política atual está sujeita às visões econômicas que, por sua vez, dependem da técnica. Nas mãos do estado a técnica passa ser uma grande ameaça, vide as grandes guerras, a guerra fria, a bomba atômica e os estados fascistas.
c) Crise ética: a ética lida com a finalidade da ação, a técnica lida com a funcionalidade. Muitas vezes a funcionalidade não leva em consideração a finalidade. Temos uma visão de mundo exclusivamente utilitarista.
d) Crise de sentido: as esperanças foram todas colocadas na técnica. Há muito sabemos que a técnica não solucionou e nem resolverá as questões elementares.
Antes estávamos presos à natureza e às divindades. Com a técnica o homem se tornou senhor de si. Veio a responsabilidade de conduzir a própria história. Por isso a ideia de progresso estar associada à técnica. A ilusão de que haja um rumo para o melhor persiste na humanidade (a esperança dada por Prometeu), mas também passamos a vagar sozinhos no silêncio dos espaços infinitos, como diria Pascal.
*Émilien Vilas Boas Reis é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais