A realidade cultural brasileira é marcada por uma pluralidade étnica. Por isso, podemos falar em cultura brasileira no plural, usando a expressão “culturas brasileiras”, pois há mais um jeito de ser brasileiro que foi cultivado. As múltiplas dimensões que constituem a cultura brasileira, decorrentes de nosso processo histórico-social alimentam-se em um território com dimensões continentais.
O forte processo colonizador que marca a nossa historia, com a imposição de uma cultura de matriz europeia, não conseguiu destruir as etnias indígenas e africanas. Embora resistentes e sobreviventes, a população negra ___ que de acordo com o Censo do IBGE, de 2011, é de 96, 7 milhões, o equivalente a 50,7% da população brasileira ___ permanece às margens ou na periferia do acesso aos direitos sociais, em termos genéricos.
Apesar das politicas afirmativas adotadas pelas universidades brasileiras para ampliar o acesso da população negra ao ensino superior, 123 anos depois da Abolição da Escravatura permanece o hiato em relação à população branca. Os dados mais recentes do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que entre 1997 e 2007 o acesso dos negros ao ensino superior cresceu, mas continua sendo a metade do verificado entre os brancos. [...]. O último censo do IBGE aponta que, entre os 14 milhões de brasileiros com mais de 15 anos que são analfabetos, 30% são brancos e 70% são pretos ou pardos 2.
Por isso, para compreender a nosso processo histórico e social é preciso sempre voltar-se às políticas adotadas pelo Estado brasileiro que, no passado, tem sido de favorecimento e de concessão de privilégios aos brancos, descendentes europeus. Essa história nos abre os olhos para a necessidade de uma nova e diferenciada politica de Estado, que contemple a inclusão dos negros no processo educacional do país.
A realidade de nossas escolas e a do acesso à qualidade do ensino e aprendizagem nos mostra que essa dívida social e étnica continua muito alta. E, para que possamos compreender a natureza complexa dessa dívida, um dos dados que chama muita atenção no ensino formal da história do país aponta os heróis nacionais como sendo, normalmente, homens brancos, exercendo explícita exclusão à participação das minorias étnicas, muito atuantes desde a invasão de 1500, lutando contra o genocídio e o etnocídio aqui praticados. Uma triste e desumana realidade pinta com sangue esse quadro. A população indígena era cerca de 5 milhões na época da invasão que, vista pela ótica eurocêntrica, vem denominada de descobrimento. Hoje, essa população está em torno dos 350 mil índios. Esse genocídio seguido da exclusão dos sobreviventes é marca que não se apaga e que jamais se deve esquecer na formação da nossa nação.
Em verdade, quem efetivamente construiu a nossa história permanece dela excluída. Com esse exemplo, queremos expressar, aqui, que um olhar para o interior da dinâmica escolar nos revela que não somente há uma complexa dívida étnica quanto ainda é alimentada em nossas escolas pela sistemática ausência da reflexão critica sobre sua identidade. As referências étnicas feitas muitas vezes não passam de referências folclóricas.
A evasão escolar dos alunos afrodes-cendentes pode também ser vista, em sua complexidade, através desse olhar sobre uma escola que nada tem a ver com sua cultura. Essa ausência de um profundo e justo olhar sobre a diversidade étnico-cultural que constitui nossa identidade reforma a matriz eurocêntrica dominante em nosso processo educacional, desde o currículo à formação de nossos professores, passando pelos livros didáticos.
Graças aos novos atores sociais que emergem dos movimentos indigenista e negro, a democracia brasileira vem adquirindo traços mais participativos. Com as lutas sociais contra a exclusão, reivindicando reconhecimento e inclusão no acesso aos bens e serviços da sociedade, a diversidade étnica passa a ser contemplada nas políticas de Estado. Essas iniciativas populares são a alma de toda verdadeira revolução.
Portanto, se quisermos construir uma história que tenha verdadeiramente a nossa cara, é preciso que a nossa plurietnicidade se manifeste e participe. Mas, para tanto, ela precisa ser acolhida no processo educacional e ter seus direitos sociais respeitados e promovidos.
Convocamos os amantes e compromissados com a causa da educação para a cidadania, em perspectivas multi e intercultural, para organizarmos os esforços na construção do revigoramento das identidades plurais que formam o nosso povo. Assim, poderemos mergulhar no interior de uma escola verdadeiramente plural, que atenda às exigências da cidadania contemporânea, que solicita a efetiva participação dos diferentes atores sociais na transformação de nossa realidade para o horizonte do estado democrático de Direito.A realidade cultural brasileira é marcada por uma pluralidade étnica. Por isso, podemos falar em cultura brasileira no plural, usando a expressão “culturas brasileiras”.
*Celito Meier