O terreno da educação é o do cultivo da potencialidade humana para o convívio em sociedade. E aprender a conviver é um dos 4 pilares fundamentais estabelecidos pela Unesco para a educação do século XXI, além dos pilares do aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a ser.
O foco de nossa reflexão de hoje é a construção do espírito que se faz necessário para a convivência em sociedade. Por isso, o tema da educação do espirito republicano e democrático.
Concebemos a democracia como o regime político no qual a soberania é do conjunto dos cidadãos. Por isso, o poder é ou deve ser exercido em público, de modo relacional, aberto e transparente. E por República entendemos a forma de governo na qual o espírito presente traz a marca da responsabilidade na defesa do interesse público, combatendo a corrupção e outras formas de desvios.
Historicamente, a democracia sempre teve relação com o governo “dos muitos”, da massa. Ou seja, o critério está vinculado ao quantitativo. Assim, era possível ter quantidade sem qualidade; em outros termos, a democracia não é a mesma coisa que república. Aliás, em nome da republica, em nome do governo de cidadãos virtuosos, a democracia foi vista, desde a Grécia Antiga até o século XIX, como ameaça e corrupção da república. E isso se explica pelo desejo que move a massa, composta por indivíduos que não tem no horizonte de seu desejo mais próximo a busca do interesse coletivo, apenas individual.
A consciência dessa singularidade humana passional é fundamental no ato de educar. Em função dessa percepção, é preciso buscar a articulação entre a forma de Estado e a forma de Governo, entre o regime democrático e a república, pois dessa união poderá nascer a melhor tradução histórica para a efetiva integração entre direitos individuais e Estado de bem estar social.
Ora, isso implica aprendizagem, por parte de todos, de frearem seus desejos individuais e os canalizarem na direção da vida social, para o reconhecimento da igualdade fundamental de todos. Por isso, a democracia é verdadeiramente realizável somente na república, pois na república o tema da virtude é tema central, e por virtude entendemos essa habilidade de ser senhor das próprias paixões, habilidade e autodomínio, tendo em vista a convivência social.
Dessa forma, na relação entre democracia e república encontramos a tensão entre o desejo de liberdade e de posses individuais e o reconhecimento da liberdade do outro e dos direitos do outro. Em decorrência da união dessas consciências, o amadurecimento da democracia implica a aprendizagem do espírito republicano. E quanto mais a forma de governar for republicana, marcada pela excelência politica ou pela virtude politica de governantes e governados, de toda a sociedade politica, mais o Estado se tornará verdadeiramente democrático. Esse será um longo caminhar de aprendizagem democrática, mediante o cultivo do espírito republicano.
Portanto, democracia e república devem andar de mãos dadas, uma necessitando da outra. A República precisa da democracia, pois sua legitimidade de coisa pública só acontecerá com a efetiva participação dos cidadãos. E a democracia precisa da república, pois o espírito republicano ajudará a democracia a se consolidar como Estado de Direito.
Na emergência dessa nova consciência está o potencial revolucionário da democracia, que a transforma no regime politico mais aberto e capaz de promover graduais e silenciosas revoluções no seio da sociedade, sem a necessidade do recurso à violência, como muito bem reflete Karl Popper quando analisa a democracia como sociedade aberta.
O espírito republicano traz como diferencial a consciência de pertencimento, a concepção que o todo é mais do que a soma das partes. A consciência desse pertencimento suscita no cidadão o dever de comprometer sua vida na construção desse todo. Para muitos, participar da democracia é ainda uma obrigação, uma exigência externa, pois neles ainda não nasceu a consciência para a plural unidade do corpo politico. Caminhar da obrigação para o dever, da obediência externa à mobilização por convicção pessoal é o duradouro e permanente desafio que se coloca para uma educação verdadeiramente democrática e republicana.
*Celito Meier é teólogo, filósofo e educador