Felizmente (ou será infelizmente?), estou muito bem acompanhado. Reproduzo e explico: “CONFIDENCIAL. Serviço Nacional de Informações. Data: 05 junho 1981. Assunto: Pessoas ligadas à subversão no Rio Grande do Sul. Anexo: Cópia de fichas (50 fichas). Em anexo, encaminha-se para fins de arquivo, relação de fichas contendo dados de qualificação, endereços e outros dados, das seguintes pessoas, em três ordens de prioridade, cujas atividades estão ligadas à subversão no RIO GRANDE DO SUL: PRIORIDADE 1 (71 nomes, grifo meu, entre os quais): Adeli Sell, Antônio Cechin, Calino Ferreira Pacheco Filho, Carlos Francklin Paixão de Araújo, Ilimar Franco da Silva, Isabel de Souza Costa, José Antônio Pinheiro Machado, Olívio de Oliveira Dutra, Tarso Fernando Herz Genro. PRIORIDADE 2 (84 nomes): Cézar Santos Alvarez, DILMA VANA ROUSSEF LINHARES, Lauro Haggemann, Marcos Antônio da Silva Klassmann, Selvino Heck, Valneri Neves Antunes. PRIORIDADE 3 (44 NOMES): César Augusto Generalli Busatto, Cláudio Augustin, Gert Schinke, Jorge Santos Buchabqui.
Isso era 1981. Segundo os registros fornecidos pelo Arquivo Nacional, em Brasília, no meu caso, a espionagem começou em 1975. De um calhamaço de referências, pinço as histórias mais interessantes.
“10/12/1975. Agência 32 do SNI. Assunto: Instituto de Teologia e Ciências Religiosas da PUC/RS. Suspensão de alunos. Texto: No período de 07 a 10 de outubro/75, realizou-se em São Leopoldo, a VIII Semana de Reflexão teológica promovida pelos Diretórios Acadêmicos do Instituto de Teologia PUC/RS e da Faculdade de Teologia Unisinos. O tema central do evento foi: Evangelização no Brasil hoje – conteúdo e linguagem. Participaram aproximadamente 120 pessoas entre padres, religiosos, estudantes de teologia e leigos. Durante o evento foram realizadas sete conferências que eram completadas com reflexões em grupo e debates no plenário e apresentadas conclusões sobre os temas discutidos. Síntese das conferências, onde foram abordados entre outros assuntos: o regime brasileiro que é burocrático e autoritário, a ação social, ação católica e ação popular. E foram criticadas as relações Estado-Igreja. No dia 21 novembro/75, o Diretor do Instituto de Teologia PUC/RS suspendeu por 30 dias quatro alunos daquele Instituto – Hermes Miolla, Paulo Vidor, Nínive Florisbal Figueiró, Selvino Heck) - por ridicularização e publicação caluniosa sobre autoridades brasileiras, contidas no panfleto Comunicação, órgão de divulgação do DAIT (Diretório Acadêmico) PUC/RS. Repercussão dessa suspensão”.
“15/04/1977. Assunto: Estão sendo vendidos exemplares do livro de poesias denominado EM MÃOS, de autoria dos escritores Humberto Gaspary Sudbrack, Umberto Gabbi Zanatta, Dilan D’Ornellas Camargo, José Eduardo Degrazia, Selvino Heck, Cesar Pereira, juntamente com outros elementos que se uniram a este grupo, entre os quais Sérgio Conceição Faraco, Horácio Goulart, Paulo Kruel de Almeida, Suzana Kilpp, Aldir Garcia Schlee e Airton Aloísio Michels. A apresentação é de Tarso Fernando Herz Genro, elemento pertencente à organização subversiva Ala Vermelha do PCdoB.
“24/08/1977. Nesta data, o nominado (eu, grifo meu) foi detido por elementos da Brigada Militar na Praça Argentina/Porto Alegre/RS. No dia anterior, durante manifestação do Movimento Estudantil/RS, o mesmo instigava os alunos participantes a não recuarem diante da ação da polícia.”
“05/10/77. Assunto: Clero Ordem dos Frades Menores Franciscanos – Frei Selvino Heck. Texto: Análise do BCFFSR, órgão de divulgação da Província franciscana com sede em Porto Alegre/RS.
“26/05/1980. Assunto: Atividades e pregação subversiva do padre Selvino Heck no Colégio Anchieta de Porto Alegre RS
“30/04/1981. Assunto: Atividades de grupos religiosos.
“14/09/1981. Assunto: Atuação de militantes e ex-militantes de organizações subversivas ligadas a entidades religiosas. T
“20/08/1982. Assunto: visita de Frei Betto a Porto Alegre e Caxias do Sul, RS.
“31.10/1988. Assunto: Enfoques sobre a participação da Igreja na política e criação da Pastoral da Política.
Incontáveis são os registros, sobre as mais diferentes atividades. Um calhamaço de documentos seja no período da ditadura, seja em tempos de redemocratização, como deputado estadual constituinte. Não sei, hoje, se é de rir, porque os arquivos permitem reconstituir muitos fatos e a história, alguns já quase esquecidos na memória.
A pergunta mais dolorosa que fica, além das perseguições, do exílio, da tortura, do assassinato, é: quem eram os delatores? Quem passava as informações? Era alguém que estava permanentemente do meu lado em todos os lugares. Quem eram os dedo-duros? Não há glória. É registro histórico de um tempo de falta de liberdade. Por todas estas razões , a Comissão da Verdade, instalada pela presidenta Dilma, precisa reconstituir a história, contar a verdade, preservar a memória. Para que nunca mais aconteça, a democracia seja consolidada e a Justiça seja feita.
*Selvino Heck