Será que o direito é racional? Ora, depende do que entendamos por direito e por racionalidade. Para facilitar a resposta, fiquemos com um sentido fraco de razão, dado pela relação coerente (ou segundo regras de inferências aceitas pela “comunidade científica”) entre suas premissas e conclusões. Pois será, então, o direito racional nesse sentido?
Não há maiores dificuldades em atribuir-lhe esse caráter, se for concebido como ramo ou aspecto do conhecimento humano. A depender, claro, de uma dada consideração de seu objeto. Pode ser, por exemplo, uma teoria do direito sem atenção ao direito dos “práticos”. Basta que o discurso objetivo defina as suas premissas e conceba suas derivações, segundo regras lógicas ou retóricas aceitas. Está pronta a “ciência do direito”. Pura, abstrata ou teórica.
Será, todavia, complicado avançarmos para uma ciência do direito prático, pois, como dizia Holmes, esse é o reino de muito acaso e improviso. O conjunto de normas positivas, como abstração, não é nada além de um material a ser dotado de sentido. Por lógicos e retóricos. E pelos práticos.
Principalmente na primeira metade do século XX, os realistas norte-americanos achavam possível construir uma ciência da decisão jurídica. O cientista haveria de examinar os fatores determinantes dos julgamentos para prevê-los com razoável precisão. Valia, inclusive, investigar o que os juízes comiam no café da manhã. Ou com quem dormiam.
Talvez não precisemos ir a tanto. Mas é curioso como pesquisas da neurociência apontam para a influência de questões, digamos, extrarracionais nas decisões que tomamos. Cheiros, empatias, memórias e inconsciente podem ser mais importantes do que os argumentos que apresentamos para justificá-las. Quaisquer decisões, inclusive as judiciais. O giro linguístico-pragmático já nos havia despertado para o fato pelo menos desde a década de vinte passada.
Não podemos sucumbir ao determinismo biológico ou cultural, mas devemos levar em conta o peso do desconhecido e do humano no proferimento de sentenças e acórdãos. A racionalidade do direito, como, aliás, toda racionalidade, não pode esconder a irrazão para baixo do tapete. Tem de saber como incorporá-la no próprio discurso racional, ainda que seja no sentido fraco de racionalidade apresentado acima.
Para muita gente, essa é uma tarefa vã. Se o for, realmente, estamos fadados ao fracasso. Talvez aprendamos mais no National Geographic do que nos livros jurídicos e filosóficos sobre temas com justiça e direito.
*José Adércio Leite Sampaio é jurista