A expressão “banalidade do mal” foi cunhada pela pensadora Hanna Arendt (1906-1975) em sua obra “Eichmman em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal”. Na obra ela expressa a capacidade do Estado moderno dizimar qualquer vida humana através das engrenagens estatais. Assim, um sujeito que era um carrasco representa a ponta de um complexo sistema burocrático que comete atrocidades (um sistema totalitário). Apertar o botão de execução se torna algo trivial.
Adaptando a expressão “banalidade do mal”, podemos perceber em várias situações como a maldade humana se tornou banal. Circunstâncias corriqueiras demonstram esta vulgaridade. O trânsito, por exemplo, é a demonstração máxima de incivilidade que acompanha esta banalidade. Qualquer um se acha no “direito” de xingar um outro motorista, porque este fechou seu caminho. Dificilmente, pelo menos em Belo horizonte, uma volta pelo trânsito não proporciona a visão de insultos e grosserias, que, muitas vezes, terminam em agressões físicas.
A internet, com sua famosa inclusão digital, também proporciona situações semelhantes. O simples fato de ser uma pessoa pública já é uma pretensa justificativa para ofensas de todo tipo. Opiniões contrárias também são motivos para uma imensa gama de infâmias recebidas.
Outras relações públicas também ilustram esta “banalidade do mal” na sociedade. Um dos ambientes mais contaminados com tal característica é o escolar. Agressões físicas e verbais, gritos e insultos fazem parte do cotidiano educacional.
Tais exemplos ilustram como atos considerados “comuns” em nossa sociedade contemporânea são permeados por perversidade.
Um dos objetivos da criação do Estado de direito é reter a prática da violência pelo ser humano. Muitos entendem exclusivamente esta agressão como sendo física. Entretanto, dado a dificuldade inerente, a violência psicológica é difícil de medir. Assim, parece insignificante ou menor uma injúria no trânsito, na internet ou na escola. Sigmund Freud, que julgava o Estado como sendo fundamental para a criação e a perpetuação da civilização, chamava a atenção para este tipo de violência, a qual o Estado tem dificuldade em aferir.
Após séculos de conflitos sangrentos (guerras, extermínios e destruição) e, ao mesmo tempo, consolidação e luta por direitos fundamentais, era de se esperar uma mudança de postura em nossa civilização. Triste engano! Nossas vidas mesquinhas vêm corroborar no dia a dia a tese sobre a banalidade do mal. Não é por que somos contra as guerras, reciclamos o lixo ou doamos dinheiro para as campanhas de preservação das baleias que somos melhores do que nossos antepassados!
Por fim, remetendo-nos ao centenário de nascimento do cronista Nelson Rodrigues, este fino analista da alma humana acerta em cheio ao dizer na crônica “O ex-covarde” da obra “A cabra vadia”: “Disse-lhe que, hoje, é muito difícil não ser canalha. Por toda a parte, só vemos pulhas. E nem se diga que são pobres seres anônimos, obscuros, perdidos na massa. Não. Reitores, professores, sociólogos, intelectuais de todos os tipos, jovens e velhos, mocinhas e senhoras. E também os jornais e as revistas, o rádio e a TV. Quase tudo e quase todos exalam abjeção”.
*Émilien Vilas Boas Reis é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais