Muitas vezes, no senso comum, fala-se em cultura brasileira como se houvesse uma única cultura, no singular. Essa ideia é resultante de um processo de homogeneização, de unificação cultural, que, na prática, significa imposição de uma cultura sobre outras expressões culturais. Nessa visão não problematizadora, haveria uma nação brasileira com uma identidade étnica nacional, o que pode traduzir esquecimento, indiferença ou exclusão do outro.
Na construção dessa identidade única, a educação foi usada como instrumento através do qual se buscou implantar uma padronização cultural e reproduzi-la de geração em geração. Uma das formas usadas para fazer isso foi a maneira de ensinar a língua oficial. Nesse ensino, muitas vezes, as diferenças regionais eram ridicularizadas e concebidas como formas inferiores e deterioradas de expressão. Outra forma de desprezo pelo diferente aconteceu no olhar reducionista sobre formas culturais regionais, folclorizadas. Nasce uma ideia de folclore como algo não sério, engraçado, divertido. Essa atitude etnocêntrica, de matriz eurocêntrica, gerou minorias étnicas, grupos que sofreram histórica exclusão de seus direitos, especialmente sociais.
O desafio para a educação é a construção de uma concepção na qual a unidade seja concebida como plural. O enfoque nessa pluralidade ou interculturalidade do povo brasileiro enfatiza a relação, o intercambio de visões de mundo que formam a unidade da nação. Educar para a multiculturalidade e para o diálogo intercultural torna-se compromisso fundamental de todo projeto educativo, especialmente em contexto brasileiro.
Esse reconhecimento da diversidade étnica deve vir acompanhado da consciência da produção do desigual acesso aos bens e aos recursos que acontece entre as diferentes etnias. Contudo, não foi isso que aconteceu no passado. A escola, inserida nesse contexto de desigualdade sociocultural, tem servido para fortalecer e perpetuar um padrão predominante de cultura, em detrimento de outras expressões.
Assim, uma das funções da escola consistia na reprodução de um modelo ideal de vida e de cultura, que os alunos passavam a assimilar. Nessa visão, o aluno não tem cultura, está carente de cultura. Nesse enfoque tradicional, a escola deverá suprir essa carência de cultura que caracteriza o aluno. Estamos diante de um olhar etnocêntrico, no qual o enfoque do observador funciona como a referência do melhor. Aqui, a escola transmite os valores culturais dominantes, seu padrão linguístico, sua leitura de mundo, sem considerar a singularidade do aluno, sua procedência, seus valores, sua visão de mundo e suas formas de expressão. Nessa perspectiva, problemas de rendimento serão problemas do aluno, que não apresenta predisposições para a aprendizagem, por ser rude.
Progressivamente, a partir das lutas de resistência das minorias étnicas, especialmente negra e indígena, a democracia brasileira vem adquirindo traços mais participativos. Com as lutas sociais contra a exclusão, reivindicando reconhecimento e inclusão no acesso aos bens e serviços da sociedade, a diversidade étnica passa a ser contemplada nas políticas de Estado.
Essas iniciativas populares são a alma de toda verdadeira revolução. E a educação escolar sentirá a mudança de perspectiva. A educação escolar vai alargando o seu olhar para a diversidade cultural com uma abordagem de reconhecimento e de tolerância da diversidade, aceitando inclusive currículos multiculturais. A partir dessa abertura de olhar, o desafio para a educação é desenvolver uma perspectiva intercultural crítica, que fomente a representatividade de grupos étnico-culturais em currículos que contemplem a interculturalidade, a multietnicidade. Nessa perspectiva crítica, cada tradição étnica é portadora de cultura, que merece ser acolhida, respeitada e defendida.
*Celito Meier é teólogo, filósofo e educador