Batalhamos diariamente para dar conta de tudo, não pedir ajuda ou enfraquecer, assumir mais compromissos, driblar a rotina e realizar tudo que foi programado. Eis que se aproxima - com aquele ar de coitado e a graça dos fracos e oprimidos, cujos olhares estimulam sentimentos ordinários de piedade, na pele de seu amigo - o aproveitador! Aquele que confia e sabe que você é cumpridor de seus deveres e que, com seu jeito malabarista, dará conta também de mais uma tarefa. O pior é que ele está certo! Você sabe que ele pede porque é folgado, contudo, está ciente de suas obrigações, em especial do seu dever para com seu amigo. Por isso, sacrifica sua rotina, ajeita a agenda para atender a mais um favor, sobrecarrega-se, dobra-se e exaure-se, mas dá um jeito.
Na esperança que seu amigo compartilhe do seu sacrifício, você aguarda que ele não lhe peça mais nada, mas um novo dia surge e outras demandas também. E não apenas dele, que ficou satisfeito com o resultado de sua diligência, mas de todos os cantos. Então, lá vem você novamente sentindo a obrigação de carregar o mundo em suas costas.
Pare imediatamente com isso! Não existe dever algum que você precise cumprir. Seu único dever é com você mesmo. Não se deixe ser explorado e demandado para coisas que não sejam de seu interesse. Você não deve se dobrar às vontades dos outros, tampouco eles devem se dobrar à sua.
A vida é uma troca e as pessoas só devem se aproximar por conta de seus exclusivos interesses. Nada como piedade, sacrifício ou doação gratuita podem fazer parte de sua rotina, se isso não for de seu próprio interesse. Do contrário, será tão sugado que não sobrará energia alguma para si. Você passará a vida se doando para aqueles que são folgados demais para lhe reconhecerem e que desdenham de toda sua dedicação. Pelas costas, ainda o chamam de otário.
*Eliane Quintella é escritora e formada em Direto e mestre em Direito Processual Civil