Prof. Manuel Ruiz Filho é colaborador deste jornal
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Numa ‘viagem’ que fizemos ao exterior, durante o trajeto até a cidade de Évora, uma belíssima cidade portuguesa, um casal de cidadãos da terra comentava indignado, no banco da frente de onde estávamos sentados, um assunto interessante de ser apreciado. Mas, antes de comentar o assunto, primeiro vou falar de Évora, depois falo do comentário.
Évora é uma famosa cidade portuguesa onde foi construída no século XVII uma Igreja, cujas paredes foram revestidas de ossos humanos. A capela já assusta logo na entrada com a mensagem: “nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”. Três monges foram os idealizadores do santuário. Com a intenção de mostrar aos humanos que a vida é algo transitório, as paredes e colunas foram inteiramente revestidas de crânios, fêmures e outras partes do esqueleto humano. O local é frio, com poucas janelas e tem um odor que arrepia os mais sensíveis. A falta de janelas torna a capela ainda mais sombria. Nos oito pilares e no teto, junto ao cimento, estão vários crânios. Pelo tamanho, a maioria dos visitantes deduz que são de crianças, o que não é verdade. Na época em que o local foi construído, muitas pessoas morriam prematuramente, o que explica o tamanho reduzido dos crânios. Outro aspecto que os torna pequenos é a ausência das mandíbulas.
Bem, após esse pequeno comentário da cidade e de sua interessante curiosidade, vamos nos atentar ao diálogo do casal que sentava a nossa frente. Se me perguntarem a beleza dos locais por onde passamos nessa viagem, eu não saberia dizer, mas o tom da conversa dos gajos, meu cérebro gravou. Dizia o homem vestido à caráter turístico àquela senhora afeiçoada, trajada com um belíssimo vestido longo estampado e um lenço colorido no pescoço: “Sabe, minha querida, fico indignado com o que tenho visto e ouvido por onde temos passado. Observe comigo. Se atravessarmos a fronteira da Coreia do Norte, ilegalmente, seremos condenados a 12 anos de trabalhos forçados; se atravessarmos a fronteira do Irã, ilegalmente, seremos detidos sem limites de prazo; se atravessarmos a fronteira do Afeganistão, ilegalmente, seremos alvejados; se atravessarmos a fronteira da Arábia Saudita, ilegalmente, seremos presos; se atravessarmos a fronteira chinesa, ilegalmente, nunca mais alguém ouvirá o som da nossa fala; se atravessarmos a fronteira venezuelana, ilegalmente, seremos considerados espiões a serviço dos EUA e o nosso destino estaria traçado; se atravessarmos a fronteira cubana, ilegalmente, seríamos colocados no paredão e fuzilados; se atravessarmos a fronteira norte- americana, ilegalmente, seríamos presos e deportados para o nosso país. Mas, se entrássemos por qualquer fronteira do Brasil, ilegalmente, receberíamos espontaneamente um abrigo, um trabalho, uma carta de motorista, um cartão cidadão, com seguro social, crédito familiar, cartões de crédito, renda de casa subsidiada pelo governo ou empréstimo bancário para a sua compra, escolaridade gratuita, embora de má qualidade. Receberíamos ainda, serviço nacional de saúde gratuito, mas capenga. Se fôssemos de esquerda, teríamos chance de um emprego em algum âmbito público, seríamos enquadrados no sistema de cotas, excluindo delas um brasileiro. Poderíamos ser um representante no Parlamento, poderíamos votar, e mesmo concorrer a um cargo público ou até mesmo fundar nosso próprio partido político, recebendo mensalmente bolsa imigrante”.
Encerrando a conversa, o companheiro de viagem turística disse à elegante senhora que o ouvia: “Poderíamos até nos manifestar nas ruas e queimar a bandeira deles. E se algum brasileiro nato se atrevesse a nos impedir seria considerado politicamente incorreto! O pior de tudo é que o povo de lá paga essa conta”. Após ter ouvido essa verdade e antes de fechar os olhos para uma pequena soneca, lembrei-me das palavras do grande jurista brasileiro Ruy Barbosa: “Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma ciência”. Para não me entristecer mais ainda com o que tinha ouvido, e lembrar-me que um semianalfabeto presidiu este gigante país por oito anos, encostei-me comodamente ao banco do ônibus e adormeci com pena de mim mesmo.