A lei de impeachment deveria ter regras para governos de transição para evitar a mercantilização de ministérios. O que estamos assistindo nos últimos dias com as negociações para um novo governo é apavorante. É como se estivesse havendo, em pleno século XXI, uma reedição dos acordos que ocorriam entre os bucaneiros do Caribe quando resolviam atacar conjuntamente navios das colônias espanholas e acertavam o percentual de partilha dos tesouros que seriam conquistados.
O despudor destas negociações envolve nomeações, domínios de orçamentos milionários e apetite insaciável das siglas políticas sobre a coisa pública. Como esperar isenção do julgamento de um senador como José Serra (PSDB-SP), do senador Blairo Maggi (agora do PP) ou ainda do Romero Jucá (PMDB), se estes já estão escalados para sentar no trono das suas pastas ministeriais?
O jogo de trocas é tão indigesto que chegamos à perplexidade de assistir a senadora Marta Suplicy vomitar toda a sua história de coerência política só para garantir a chance de o PMDB lhe entregar a legenda de candidata a prefeita de São Paulo.
Quando a lei que regula o impeachment foi criada na década de 50, não se imaginava um quadro político tão despudorado. Até mesmo quando ela foi aplicada contra Collor, o honesto Itamar Franco manteve o ministério e só realizou suas mudanças quando foi definitivamente confirmado presidente. Não negociou cargos à queima-roupa.
Se os governos que emergissem de um processo de impedimento fossem obrigatoriamente formados por técnicos, expoentes de cada área, submetidos até a sabatinas, sem dúvida não haveria o mesmo apetite para a sua utilização.
A falta de pudor em garantir o voto dos “senadores-magistrados” traz uma manta de desilusão sobre a possibilidade de mudança que tanto desejamos. Não a mudança de um governo, mais de todo um sistema, hoje podre, corrompido e sem pudor. A sensação é de que o eleitor foi esquecido e o cenário construído nas negociatas partidárias demonstra que nada mudou. O STF não pode assistir a tudo isso como mero espectador e ainda emprestar o seu presidente para chancelar este jogo de cartas marcadas.