A Comissão de Ética da Presidência vem recebendo inúmeros pedidos de quarentena remunerada por parte de agentes públicos que porventura estejam em situação de conflito de interesses, quer dizer, por não poderem trabalhar para empresas privadas por serem detentores de informações privilegiadas que acumularam durante o tempo em que serviram ao Governo Federal.
Nada mais justo que continuem a receber os salários que recebiam enquanto trabalhavam para o Governo, já que não podem trabalhar para outro empregador.
O que espanta é o número de pessoas detentoras de informações privilegiadas! Até o momento, já somam dezenas os pedidos de quarentena remunerada.
Alguns nomes qualquer leigo concorda: esses deviam conhecer as entranhas do governo. Sobretudo os da área econômica ou dos gabinetes próximos da presidente da República.
Mas há outros que, francamente, fico cismada tentando imaginar quais as graves informações que poderiam deter e que seriam danosas ao Governo se fossem reveladas a terceiros. Por exemplo, que informações desse tipo o Ministro dos Esportes poderia ter no bolso de seu colete? O mesmo pergunto sobre os ocupantes do Ministério do Desenvolvimento Social ou das Políticas para as Mulheres. Não seriam, ao contrário, pastas cujos assuntos deveriam gozar da maior transparência?
Com o número indecente de desempregados que o Brasil vem sofrendo, para que o funcionário receba o benefício da quarentena remunerada, é imperativo que seu caso seja daqueles que o levaria a engrossar o número de desempregados.
Li que o Tribunal de Contas da União começou a fiscalizar esses pedidos. Em boa hora. Afinal, um bom salário garantido por seis meses, apenas na suposição de que o funcionário poderia deter algum segredo de Estado, francamente, nem que o Brasil estivesse em guerra.
Penso que se o cidadão merece ser nomeado para trabalhar no Governo, é porque ele merece a confiança da Nação. Pelo menos era assim que deveria ser, em todos os casos.
Querem um exemplo? Quando Joaquim Levy deixou de ser ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, pouco depois ele foi convidado para ocupar um cargo de direção no Banco Mundial. Logo apareceram umas opiniões esdrúxulas na Comissão de Ética da Presidência alegando que isso ia representar um grave conflito de interesses por ele ter informações privilegiadas sobre a economia brasileira. Claro que sim. Se o homem tinha sido ministro da Fazenda! Mas daí a deduzir que ele aceitaria um cargo que o obrigaria a trair a confiança do Brasil! Ainda bem que esse conflito foi sanado: ganharam o ex-ministro e o Banco Mundial. Levy não depende de nenhuma quarentena e o Banco Mundial recebeu um funcionário de primeira linha.
Mas há casos menos edificantes. Temos de tudo um pouco entre os quarentenados. Muitos afilhados do Poder, como Giles Azevedo que, por estar se beneficiando da quarentena, não poderá assessorar formal ou informalmente a ex-chefe Dilma Rousseff. Mas não está proibido de visitar a Afastada lá no Alvorada. Com certeza só conversarão sobre o clima, ou sobre gastronomia...
E, antes que eu me esqueça: quarentena, que significa período de quarenta dias, aqui, neste país generoso e rico, é um espaço de cento e oitenta dias. Melhor que isso, só dois disso...