*Antônio Risério é escritor.
Uma das coisas mais lastimáveis que conheço é ver gente que se diz libertária exibindo atitudes e condutas liberticidas. O sujeito ou a moça faz um tremendo discurso libertário e, ato contínuo, revela-se um defensor da censura, um censor em potencial.
Outro dia, li as seguintes palavras para uma amiga feminista: “A mulher não entende o que significa o alimento: e quer ser cozinheira! Se a mulher fosse uma criatura pensante teria descoberto, cozinhando há milênios, os mais importantes fatos fisiológicos, e teria também aprendido a arte da cura! Por más cozinheiras – por total ausência de razão na cozinha – é que a evolução do homem foi mais longamente retardada, mais gravemente prejudicada”.
Depois de um brevíssimo instante de hesitação, talvez surpreendida pela originalidade do raciocínio exposto no texto, minha amiga explodiu: “isso tem de ser rasgado, queimado, jogado fora!”. Calmamente, eu lhe disse. O que você ouviu é uma passagem de Friedrich Nietzsche, um dos grandes pensadores europeus, em “Além do Bem e do Mal”.
Bem, considero um crime atirar Nietzsche fora do navio da humanidade. Aliás, teríamos que apagar de nosso mundo também o pensamento em vigor na Grécia clássica (onde as mulheres não eram consideradas cidadãs), jogar fora Platão e Aristóteles, que ainda hoje tanto nos ensinam – sobre política, arte, urbanismo, etc.
Concordo com a situação da mulher (da senhora casada, que, em Atenas, prostitutas e estrangeiras frequentavam simpósios filosóficos – a mulher casada, séria, é que era trancafiada em casa) no mundo grego? Sou antifeminista? Não. Longe disso. Mas não sou burro. Nem ditador/censor.
Faço, portanto, uma distinção elementar: uma coisa é o pensamento, outra coisa é a ação. Se um sujeito passa trinta anos de vida estudando e pesquisando, e então conclui que os amarelos são superiores aos brancos, ele não pode publicar o que pensa? Claro que pode! Quem discordar, que escreva contestando. Mas nada de proibir.
A reflexão é livre. O que deve ser coibido é o ato. Você pode achar que os amarelos são superiores aos brancos. O que não pode é discriminar objetivamente os brancos em nome de suas viagens teórico-ideológicas. Ou vamos acabar sem ter mestres no mundo.
Se cada comissário imbecil proíbe um gênio, só nos restarão os imbecis. Repetindo seus dogmas e seus clichês. Acendendo fogueiras inquisitoriais. Queimando livros. Destruindo filmes, pinturas e discos. Etc. Não dá. Só ações práticas devem ser impedidas.