*Marisa von Bülow é doutora em ciência política e professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília
Neste momento de incerteza e de reconfiguração do tabuleiro político brasileiro, estão surgindo oportunistas por todos os lados, que buscam se posicionar da melhor maneira para aproveitar tanto a profunda crise da esquerda como a grande dificuldade da direita para construir alternativas.
A criação da organização “Escola sem Partido” é bom exemplo dessa articulação. Nesse caso (como em vários outros que estão pipocando por aí), os criadores da nova organização usam uma estratégia simples, mas eficaz para ganhar visibilidade e simpatizantes. O primeiro passo é fabricar uma batalha hercúlea contra um inimigo poderoso – definido como um “exército organizado de militantes travestidos de professores” (sic) – que estaria cometendo o crime de lavagem cerebral nas nossas crianças e jovens.
O segundo passo é lançar uma campanha bem articulada em vários tabuleiros ao mesmo tempo: no Poder Legislativo, por meio da apresentação de projetos de lei que contam com apoio de parlamentares de partidos políticos de centro ou de direita, no Poder Executivo, por meio do lobby a autoridades educacionais, nos estabelecimentos de ensino, e nas mídias sociais. Em aliança com setores religiosos e político-partidários, avançam por todo o país propostas similares de alteração da legislação educacional, com o objetivo, supostamente, de combater a doutrinação de esquerda nas salas-de-aula.
Semana passada, o projeto de lei proposto pela Escola sem Partido que tramita no Congresso Nacional sofreu um duro revés. Integrantes do Ministério Público Federal emitiram nota técnica argumentando que este é inconstitucional, porque, ao contrário do que afirmam seus defensores, atenta contra a pluralidade no ensino. Vale a pena citar parte da justificativa dos procuradores: “o projeto subverte a atual ordem constitucional por inúmeras razões: confunde a educação escolar com aquela fornecida pelos pais e, com isso, os espaços público e privado, impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem e contraria o princípio da laicidade do Estado”.
Soprando Dentes-de-Leão
Ao apontar para um “exército” de professores esquerdistas e para os perigos do pensamento “marxista”, a vaga retórica da Escola sem Partido acerta no seu verdadeiro alvo, que é o pluralismo de pensamento nas escolas.
E mais: ao contrapor-se a esse suposto inimigo, não deixa nenhuma margem para fazer o debate, necessário e urgente, sobre a qualidade da educação no Brasil. Nas redes sociais da Internet, essa estratégia de “ou está comigo ou está contra mim” tem, como infelizmente já sabemos, a acolhida entusiasmada de grupos que alimentam e acirram a polarização.
Aqui não há confusão e nem erro. Há apenas estratégia política. As contraposições simplistas e retorcidas são velho instrumento de retórica, que servem para acirrar os ânimos e queimar pontes de diálogo.
É preciso desconfiar sempre de quem diz que não tem posição política, ou que é neutro, ou que é... “sem partido”. A retórica da neutralidade é mera cortina de fumaça, que não resiste ao menor sopro, tal qual as delicadas flores secas de dente-de-leão que sopramos na infância.