*O professor Manuel Ruiz Filho colabora com este jornal –
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Parece incrível, por mais que você deteste a rotina ela pode te fazer falta. Quando as coisas saem da normalidade você acaba por sentir falta dela. Impressionante isso, mas é uma realidade. Ela é saudável porque você sabe o que vai acontecer nas próximas horas, nos próximos dias e nas próximas semanas. Quando a gente adoece, por exemplo, não vemos a hora de voltar à rotina. Ver os amigos, os colegas de trabalho, até mesmo os ilustres desconhecidos. Isso nos faz falta. A rotina do dia a dia é como uma história em quadrinhos, que vez por outra, a gente sente vontade de ler para relaxar a mente esquecendo dela depois.
Algumas experiências novas não surgem de rotinas, mas se dela tiramos proveito e gostamos, tentamos encaixá-las no dia a dia. Nosso trabalho, na forma que foi construído exige uma solução mais técnica do que criativa. Requer muito do ‘saber fazer’ do que propriamente de quaisquer tipos de talentos. Executar a rotina parece exercera vida sem criatividade, não ser inovador e também não ser produtivo, mas não é isso.
Na verdade, exercer as atividades grudados às rotinas pode até ser interessante porque são situações vividas com maior repetitividade e despidas de dúvidas e erros. É claro que toda e qualquer rotina necessita de revisão periódica para que a mesmice não predomine e as mesmas coisas possam ser feitas de maneiras diferentes e com mais criatividade. Terapeuticamente, creio eu, que a rotina diminui a angústia porque foi anteriormente testada pelo hábito de fazê-la. É bem lógico e interessante que você faça caminhos diferentes quando volta do trabalho para casa. Isso aciona o poder de criar e analisar uma nova trajetória.
A rotina não te faz obrigado a descobrir o que fazer, nosso cérebro nos orienta sempre de nossas próximas tarefas. A grande maioria dos profissionais fica insegura quando lhes faltam a rotina. Essa situação repetitiva que chamamos de rotina acabamos por valorizá-la quando dela saímos, por vários motivos, até mesmo por uma viagem de longo tempo. Pior ainda, e este é meu caso, por ter que ficar repousando continuadamente sem poder voltar a minha rotina, me abstendo dos meus exercícios, dos meus alimentos, dos meus alunos e até mesmo do meu trabalho. Para quem está acostumado a trabalhar e ama o que faz, sente na pele a falta da rotina, porque no exercício dela as coisas funcionam facilmente. Sair da rotina é desviar da rota, o que muitas vezes, os novos caminhos não são os melhores, do contrário, são mais amargos e recheados de dúvidas e incertezas. Vou te relatar um fato interessante, não é criação minha, mas é digno de ser entendido porque a rotina é muito aparente e a falta dela também o é. Dois homens muito doentes dividiam o mesmo quarto num hospital. Um deles podia ficar sentado na cama todas as tardes. Sua cama ficava ao lado da única janela do quarto. O outro homem passava os dias deitado. Todos os dias o homem que podia sentar, ficava ao lado da janela, e contava ao seu companheiro de quarto tudo o que via. O companheiro esperava, todos os dias, ansioso por essa rotina.
A janela tinha vista para um jardim muito bonito e um lago com cisnes das mais variadas cores. Crianças brincavam com seus barquinhos de papel. É uma belíssima paisagem que vemos daqui. O paciente ao lado da janela descrevia tudo com riqueza de detalhes, e o homem ao seu lado imaginava essas cenas dia após dia, numa incrível e deliciosa rotina. Passados alguns dias, em uma manhã quando a enfermeira chegou ao quarto, descobriu que o paciente ao lado da janela havia morrido aquela noite. Então o outro paciente pediu para que o colocasse na cama ao lado da janela.
A enfermeira mudou ele de lugar e o deixou só. Com muita dificuldade, ele apoiou os cotovelos e se ergueu para olhar a janela. Tudo que viu foi uma parede branca. Então chamou a enfermeira e perguntou: Como meu colega via aquelas cenas tão lindas que rotineiramente me descrevia? A enfermeira lhe contou que o paciente era cego e não podia ver nem a parede que ali estava. Talvez quisesse apenas te animar. Não há felicidade maior do que fazer o outro feliz, sem se importar com nossos problemas. Porque a felicidade quando dividida, mesmo dentro de uma ilusória rotina, se multiplica.