“A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto, sou abastado” (Manoel de Barros)
Desde a Proclamação da República tentamos nos constituir como um Estado Laico. Ele é sempre o maior garantidor da liberdade religiosa e do direito inalienável de crença e de não-crença.
O legado religioso, de todas as denominações, lastreia nossa cultura. Somos tributários da espiritualidade nativa, africana, européia, oriental. Qualquer menosprezo a essas influências nos apequena.
Amós Oz, em seu livro “Como curar um fanático”, afirma que a curiosidade é o principal antídoto contra o dogmatismo obscurantista. Portanto, devíamos nos debruçar com respeito e curiosidade sobre as diferentes expressões religiosas que há no Brasil, sem exceções. E sem pretensões hegemonistas.
O saudoso Hélio Pellegrino, um cristão visceral que não dispensava o instrumental marxista de análise da realidade, se dizia “católico, apostólico... mineiro!”. Traduzia: procurava ter sempre uma visão universal (católica), gostava de propagar os valores nos quais acreditava (apóstolo da Justiça, da Igualdade e da Paz que sempre foi) e, efetivamente, não era ‘romano’, vinculado a uma cultura que não era a sua, de raiz.
O papa atual, que se identifica como alguém que veio do “sul longínquo”, se assina “bispo de Roma”. Ele está querendo, franciscanamente, colocar-se como um a mais no governo colegiado que tenta implementar em sua igreja, a despeito da resistência conservadora de muitos na Cúria Romana.
Isso tudo nos confirma a relatividade das religiões, por mais que elas se acreditem portadoras de verdades absolutas, o que é legítimo. Mas se todas o são, quem somos nós, seres limitados, para determinar qual a mais perfeita? O Dalai Lama lembra sempre que a “melhor religião é aquela que não se julga superior a nenhuma outra”, e que todas devem ter como eixo e sentido o amor aos semelhantes.
Por isso, quando surgem afirmações de intolerância explícita é preciso reagir. Seus autores as renegarem como “coisa do passado juvenil” só seria crível se acompanhado de uma sincera autocrítica.
D. Helder Câmara, ao contrário, jamais escondeu seu passado integralista. Dele fez a crítica ao vincular-se, nos anos 40 do século passado, ao “humanismo integral” de Jacques Maritain, junto com Alceu de Amoroso Lima. Não foi uma mudança de ocasião, mas de convencimento. Disse ele, à época: “transformar o regime social para dignificar os oprimidos pressupõe uma fecunda reforma interior, e não uma imposição do Estado”. Mais tarde, às vésperas da guerra fria, teve a coragem de dizer que “era farisaísmo julgar que os burgueses representavam a ordem e a virtude e os comunistas encarnavam a desordem, o desequilíbrio e o desencadeamento das forças do mal”. Não por acaso, foi cogitado várias vezes para Prêmio Nobel da Paz.
Melhor nos inspirarmos em figuras como D. Helder do que acreditarmos em autoproclamados religiosos que, às vezes, creem mais no Deus do Dinheiro/Poder. A propósito, Cunha vivia relembrando sua condição de evangélico...