Chega a manhã, chego na praça. E um cheiro sempre me espera:
são os vendedores de especiarias que vão ocupando seu espaço. Reparo seus
rostos e seus frascos, vejo seus traços e texturas vincadas- ora pelo tempo,
ora por ser assim sua forma.
Um ou outro daqueles rostos sempre me sorri. E um bom dia
velado ali eu recebo, naqueles cheiros de dia útil. Paro na esquina adiante, os
observo, percebo que fiz daquele pedaço um cais- e que depois de tanto navegar
e errar no destino encontrei minhas Índias. Mas a dor nem sempre antecede o
Bojador.
Depois de mais alguns passos passa o cheiro, e fica ao longe
ainda a silhueta das barraquinhas e nelas as vidas por trás dos rostos- vida
essa que os leva a acordar todo dia bem cedo pra ocupar seu espaço. Tudo para
vender suas especiarias... e comprar seu pão. Uma rotina que não os deixa
pensar na meritocracia.
Não os deixa pensar que pra eles ela não funciona. Uma
rotina que não os deixa, felizmente, chamar seus pais de baixos nomes por não
terem hoje uma vida mais leve- talvez com menos cheiros e vincos. Eles não
pensam se aprenderam a pescar, porque não conheceram as varinhas, nem á água,
nem os peixes, nem coisa alguma senão a necessidade de ter que sair cedo pra
conseguir comer.
Chega a manhã, chego na praça. Mas eles chegam primeiro.
Ficam um tempo a mais, por vezes trabalham mais e ganham menos- menos do que
você, menos do que eu. A gente tem mania de achar que parte das coisas que eles
vendem são placebo. Mas placebo mesmo é essa tal de meritocracia- uma desculpa
bem bolada por uma sociedade que não quer sanar de uma forma eficaz a sua mais
famosa doença.
*Vânia Caires*