Daqui a 20 ou 30 anos, quando as salas de aula pouco terão a ver com os dias de hoje, historiadores e pesquisadores que se debruçarem sobre o atual movimento de ocupação das escolas, em protesto contra a reforma do ensino médio, vão entendê-lo como algo tão anacrônico como a Revolta da Vacina de 1904.
Na época, por desinformação e ignorância, a Escola Militar e boa parte da população do Rio de Janeiro se sublevaram contra a vacinação obrigatória, forçando o governo de Rodrigues Alves a decretar estado de sítio na cidade. Medida dura, mas o sanitarista Oswaldo Cruz estava certo. Só assim a epidemia de varíola foi extinta no Rio de Janeiro.
Em defesa da Revolta da Vacina pode-se arguir que o grau de informação era precário, pois os meios de comunicação praticamente se resumiam aos jornais e a maioria da população era analfabeta. A ignorância é a mãe do obscurantismo, de movimentos regressistas como o de Canudos de Antônio Conselheiro.
O mesmo não se pode dizer sobre os dias atuais. Os modernos meios de comunicação democratizaram as informações, hoje acessíveis a todos, inclusive à minoria que ocupa as escolas. As mazelas do ensino médio são sobejamente conhecidas, tanto por educadores como por quem sofre na pele as suas consequências, os estudantes e pais de família.
O problema maior não é a ocupação das escolas, embora seja uma forma de luta estapafúrdia e antidemocrática por meio da qual uma pequena parcela impõe seu ponto de vista a milhões e milhões de outros jovens impedidos de frequentar as aulas.
Não é apenas uma questão de forma. É, principalmente, um problema de conteúdo. O movimento ocupacionista é essencialmente reacionário, no sentido de ser contrário a ideias transformadoras. Leva, concretamente, à manutenção do status quo do nosso sistema educacional, perpetua o pacto da mediocridade, onde parte dos professores finge que ensina e parte dos alunos finge que estuda.
Parece não darem conta que o mundo se move e com ele a educação.
No Colégio Bandeirantes, tradicional escola particular de São Paulo, da qual faço parte, as barreiras literalmente estão sendo derrubadas. Em 2017 não haverá mais divisão rígida por disciplina, as aulas de laboratório de física, química, biologia e artes acontecerão em um mesmo espaço, com professores de várias áreas interagindo simultaneamente. A palavra-chave é interdisciplinaridade. Será adotado um “currículo escolar flexível” (como propõe a Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio) com vistas a permitir ao aluno a seleção de algumas disciplinas nos quais queira se aprofundar, conforme sua vocação.
Mais: vislumbra-se no horizonte uma importante alteração no exame internacional PISA – OCDE, principal instrumento de avaliação do ensino no mundo, que pauta políticas educacionais em vários países. Sim, o PISA deve passar a agregar aspectos não cognitivos em futuras avaliações.
A transversalidade, o currículo flexível, a mudança da arquitetura das salas de aulas, a valorização de habilidades que farão a diferença na vida futura dos alunos, os trabalhos por projetos, a combinação do ensino presencial e à distância estão sendo impleantadas em países de ponta: Estados Unidos, Canadá, Finlândia, entre outros.
Cedo ou tarde, o Brasil terá de acompanhar este movimento. O preocupante hoje é que as escolas privadas de boa qualidade já estão acertando o passo, enquanto na rede pública o corporativismo, a ideologia, a má fé e a ignorância operam para aprofundar o fosso da desigualdade social, condenando nossa juventude ao atraso.
Involuntariamente, ou não, o movimento de ocupação das escolas faz esse jogo.