Depois de uma semana pesada, marcada por desastres, onde
vidas foram tiradas e direitos, ameaçados, chega a sexta. O povo, já mais
conformado, esqueceu de Chapecó, do golpe (nossa, não é que era golpe?), do
aborto- ele é de novo só povo, sem maiores inquietações. Passamos de ativistas
pra trintões e quarentões cansados, que só querem no fim do dia uma o cervejinha
no bar. Sem lembrar que, certo e estatisticamente, o fim do dia acaba sendo o
fim para muita gente, também.
A morte, essa que é responsável por nos findar, é tão certa
quando o medo que temos dela. Somos criados para não lembrar que acabaremos-
planos são projeções futuras, o amanhã é sempre certo, velórios são só dos
outros. Somos cordiais ideais, e achamos que podemos evitar a morte se não
refletirmos sobre ela. E assim, disfarçada de vilã, nem vemos que é a própria,
essa aí da foice, que faz com que queiramos flores em nosso jardim.
Sem as sombrias tábuas da mortalidade talvez a faixa de
idade produtiva fosse outra. Talvez estagnaríamos- estar sempre por aqui é
nunca ser, e só estar. Se não envelhecêssemos não trabalharíamos para ter conforto
quando não mais termos disposição para outra coisa que não para a paz. Se nunca
partíssemos, não nos importaríamos em deixar flores em nosso lugar.
Apesar de todo esse impulso velado, porém, somos ainda
condicionados a não olhar nos olhos do fim. E mesmo sabendo que ele é certo,
não conseguimos, mesmo nos noventa e poucos, visualiza-lo como próximo. A
morte, como os planos, é também só uma projeção futura- que acreditamos que pra
nós nunca vai se concretizar, porém. E quando ela chega cedo demais, às vezes
não estamos nem na metade.
Nem na metade dos sonhos. Nem na metade do que queremos ser.
Nem na metade daquele livro que você sofreu pra encontrar. Não por falta de
tempo- mas por achar que sempre o temos em excesso. Até pode ser que lembremos
de nossa finitude- mas ela está sempre longe demais para nos alcançar.
A questão é que nem sempre teremos tempo de ver crescer
todas as flores. Por instinto, evitamos pensar que um dia vai ser só elas que
restaram do que éramos. Mas o importante é: se o juiz apitasse agora, o que
você teria em seu jardim?
*Vânia Caires*