*O professor Manuel Ruiz Filho colabora com este jornal -
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Dizem que a fé remove montanhas. E remove mesmo. Há tempos atrás tomando lanche em um local extremamente próprio encontrei o João. Um aluno exemplar, um amigo daqueles que deixa saudade quando o tempo separa o mestre do discípulo. Não me recordo o ano, mas o João era o aluno que abastecia os demais com pré-aulas de matemática, um reforço até então indispensável no Curso de Ciências Contábeis. Profundo conhecedor da matemática e da física.
O João era Suboficial da Força Aérea Brasileira, como ele mesmo dizia com muito orgulho, cargo que ele ocupava na época e que nunca o deixava arrogante perante os companheiros de sala, do contrário, era de uma simplicidade incontestável com todos os colegas na sala de aula. Todos o adoravam pelo coração magnânimo que demonstrava ter. Mas o que eu quero falar mesmo é maior que isso. O tempo passou e eu reencontrei o João, agora fora da sala de aula. Disse-me que estava se tratando de um câncer, mas não se mostrava abatido. Fiquei a pensar qual era o motivo de tanta segurança dele quando me contou o fato. Trazia no rosto uma serenidade de quem estava de bem com a vida e que os fatos que aconteciam eram suportados dentro da maior naturalidade.
O tempo caminhou novamente e eu não mais o vi. Mas aquele bate-papo descontraído que tivemos me deixou encabulado, acho que a fé que me faltava estava sobrando na cabeça daquela criatura. Era isso, com certeza. Dia desses estava em meu local de trabalho na sala de coordenação e alguém bate na porta... o João. Fiquei feliz quando o vi todo sorridente esbanjando alegria. Mais parecia um vendedor de sonhos que outra pessoa qualquer. Entrou com o sorriso nos lábios, me abraçou e lá entramos nós pelo rico mundo da conversa. Falamos de tudo, recordamos nossas aulas e falamos assuntos dos mais variados até chegarmos ao mais importante deles: comentamos sobre o poder da fé. Essa magia que desloca montanhas, que nos aproxima de Deus quando nos parece que nenhuma alternativa existe para a solução dos problemas. - João, perguntei na oportunidade: o que te faz tão alegre com a vida já que passastes por um momento tão difícil? - A fé, respondeu ele. Fiquei boquiaberto.
A partir daí passamos a comentar as vicissitudes desse estado santificado que é ter fé. Ela é a única, a maior e a mais importante arma que possuímos para vencer o insuportável. É uma flecha mortal contra a dúvida e a falta de esperança. É um estado de alma solene que todos nós temos por dentro e que poucos conseguem frutificá-la. O João sabe disso. Venceu todos os obstáculos e contratempos que a vida lhe apregoou. Ele me contou um fato muito interessante que me comoveu e eu vou te contar. Disse-me que um grande amigo seu, mantinha contatos de correspondência eletrônica com uma pessoa amiga. Num determinado dia essa pessoa resolveu contar a situação do João, que estava internado pelo motivo da doença de que já falamos. Essa amiga do amigo pediu o endereço do João porque queria ajudá-lo na sua convalescença. Gentilmente o amigo do João informou o endereço onde ele se encontrava acamado. Ela o procurou. Cuidou dele. Fez com que voltasse a construir sonhos. Ajudou-o nesse momento difícil que normalmente as pessoas se afastam para não assumir compromissos ou tarefas que escravizam momentos de lazer.
O João aceitou. Felizmente a fé do João venceu novamente. Hoje ele é um homem feliz e continua tendo como bandeira a fé. Essa mulher que o assumiu na doença agora desfruta com ele momentos de alegria porque resolveram viver juntos. A fé desse meu ex-aluno me comoveu e mais que isso, reforçou a minha que não me parecia tão forte.