*Chico Alencar é professor de História (UFRJ), escritor e deputado federal (PSOL/RJ)
Semana retrasada, antes de retornar a Brasília, um cidadão que não conhecia me interpelou na rua do Passeio, no centro do Rio: “Tem jeito? Tem saída? O Brasil dos políticos se divide hoje entre os que roubaram e os que ainda não conseguiram roubar. Isso vale para a direita e para a esquerda”. Completou com um alerta: “você e seu partido ainda estão em observação...”. Este sentimento de decepção e desconfiança predomina na população brasileira.
Motivos não faltam. O ano legislativo começou com a eleição em 1º turno tanto do presidente do Senado (e do Congresso Nacional) quanto do presidente da Câmara (e vice-presidente da República). Eunício de Oliveira (PMDB/CE) e Rodrigo Maia (DEM/RJ) foram citados em delações da Lava-Jato até com codinomes: “Índio” e “Botafogo”. Dizem “não perder um segundo de sono com isso” (Eunício) e “ter preocupação zero” (Rodrigo). Eduardo Cunha – antecessor de Maia, que o apoiava – usava essas mesmas expressões.
A maioria absoluta de congressistas não considerou relevante o fato – que há de ser apurado com o avanço das investigações, garantidas pelo ministro Fachin. Pior: não pareceu perceber o tamanho da crise da representação. Nas alegações de defesa das candidaturas vitoriosas para todos os cargos de direção das duas Casas, em nenhum momento se falou em tentar superar o abismo que há entre a política institucional, seus partidos e a população. Ao contrário, para aprovar as chamadas ‘reformas’, com seu viés precarizador de direitos dos de baixo, as assembleias ‘da Federação’ e ‘do Povo’ criarão normas ainda mais rígidas para o acesso da cidadania interessada. Sobre eliminar o domínio dos grupos econômicos na política, nada.
Muitos votos dos parlamentares em seus pares, para constituir as Mesas Diretores, derivaram de acordos para nomeação de comissionados e indicação de relatorias de projetos – o que dá visibilidade. A autoproteção para eventuais investigados e réus não faltou: vários vencedores, ao falar em “defesa do Parlamento”, referiam-se aos mandatos sob suspeição. Por trás da aparente calmaria dos grandes vencedores, o consumo de ansiolíticos se amplia...
Só um aspecto do reiterado discurso desafinou: o da propalada “independência do Legislativo”. Aí estão os presidentes da Câmara e do Senado jurando compromisso com a pauta do Executivo, essa mesma que jamais foi apresentada à população quando da constituição originária dos Poderes, nas eleições nacionais de 2014. Nada de novo: Dilma também não implementou o que tinha proclamado na vitoriosa campanha.
Lá se foi o primeiro mês de 2017, com seus sinais nada promissores. Além da morte surpreendente e trágica do então relator da Lava-Jato, a tosca e chocante “torcida” de alguns pelo falecimento – também inesperado – da esposa do ex-presidente Lula, o que divergência política alguma justifica. E as febres amarela e da violência ceifando muitas outras vidas.
Talvez como corolário desses tempos dissonantes, a rádio MPB FM do Rio de Janeiro, que só tocava música brasileira, encerrou suas atividades em fevereiro. Até música boa no dial anda rara... Menos mal que Vinícius e Carlinhos Lyra nos socorrem: “E no entanto é preciso cantar/ mais que nunca é preciso cantar/ e alegrar a cidade”.