Cheguei a essa conclusão. Envelheço, logo existo. Quer coisa melhor? A vida depois dos 50, 60, 70 é uma delícia. É muito provável que você se sinta como a pessoa que sempre quis ser. É claro que não me refiro à condição física, porque já não posso correr tanto, o organismo não me permite e o meu cardiologista também não apoia muito. É rígido quanto às recomendações que faz.
Nessa fase bela que a vida nos presenteia alguns apresentam mapas geográficos estampados nas rugas, outros traseiros mais flácidos, outros ainda olhos com pálpebras acanhadas e entorpecidas, mas, com certeza, todos com cabelos esbranquiçados quando a calvície não os expulsaram. Vez por outra, frente ao espelho, tentamos retroagir no tempo vislumbrando nossa imagem com pessoas que viveram do nosso lado e que há muito tempo a vida separou. Mas esses sentimentos já não nos fazem sofrer mais, são passageiros. Francamente não trocaria minha família de hoje, meus filhos, minhas netas, meus incríveis amigos, por cabelos menos grisalhos ou com um caminhar mais atlético. Envelhecemos, se isto é a palavra certa, mas nos tornamos menos crítico conosco, tornamo-nos nosso melhor amigo.
Aprendemos muito e com frequência repugnamos a injustiça. Luther King já dizia: “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. Pura verdade. A sabedoria impregnada nas pessoas mais adultas faz com que elas não meçam esforços para mostrar a quem menos enxerga as atrocidades de que são vítimas. Também não me censuro por cometer pequenos erros quando compro o desnecessário, quando saboreio um docinho a mais ou quando não me visto para a ocasião adequadamente. Paletó e gravata são complicados. Nosso clima não nos permite o uso comodamente. Essa idade nos proporciona a excentricidade, a manter coisas fora de ordem e de maneira menos adequada sem que isso seja prejudicial a alguém. Nem por isso saímos de moda. O idoso sempre estará em moda. As melhores invenções foram deles. Os melhores livros eles que escreveram. Os momentos mais sublimes só eles vivem, somente eles têm netos para essa vivência. É uma pena que tenhamos de suportar a partida precoce de muitos amigos queridos que não puderam usufruir plenamente a liberdade grandiosa implícita no envelhecer. Por vezes, somos o nosso próprio parceiro de dança aos ritmos inesquecíveis das músicas dos anos 60 e 70, e se, ao mesmo tempo, quisermos chorar por alguém que perdemos, podemos fazê-lo sem repúdio.
Com absoluta certeza continuaremos censurados pela juventude exigente, que gosta de corpo perfeito e de pele salpicada de bronze. Isso não nos importa mais. Hoje aprendemos a utilizar novos valores tanto para as pessoas quanto para as coisas. Sei que algumas vezes me esqueço de fatos, sei disso, talvez porque não são tão importantes no momento como o foram no passado, mas as coisas importantes eu não esqueço e prometo que vou me lembrar até o fim dos meus dias. Tenho aversão a injustiças, a saques, a roubos, a desordens, à formação de quadrilha, a governos desumanos e desqualificados, enfim, a tudo que o ser humano é capaz de fazer desonestamente para beneficiar-se do poder que desfruta. Sou, portanto, abençoado por ter vivido da forma como vivi, o que me permitiu ver meus cabelos grisalhos e ter as marcas de minha juventude para sempre gravadas nas poucas rugas ainda no meu rosto. Muitos amigos nunca riram e nem tiveram rugas, outros morreram antes que seus cabelos embranquecessem.
Depois dos 60 nos preocupamos menos com o que pensam outras pessoas, portanto estar nessa faixa de idade é muito bom. Nos liberta. Gosto da pessoa que me tornei. Não vou viver para sempre, mas enquanto estiver por aqui não vou desperdiçar meu tempo. Pretendo aprender sempre para poder passar para os mais novos, coisas que a vida esconde dos olhos de quem não teve oportunidade de estudo. Que todas as pessoas de todas as classes sociais possam envelhecer dignamente. São os meus votos.