Em respeito ao leitor e por dever de honestidade intelectual, declaro-me suspeito para falar sobre o ex-Presidente Fernando Henrique. Nada que, fulanizando, venha a idolatrar ou demonizar, pecados mortais para o rigor analítico.
Nos “Diários da Presidência”, FHC criou, involuntariamente (?) um curioso personagem literário: “o memorialista em tempo real” graças ao gravador (a quem o autor denomina de “padre confessor” e, na falta de um psicanalista, “médico de minha alma”). “Os Diários” registram fatos pulsantes, vivos, antes que passem a ser objeto da reflexão histórica. Muita coragem. Tudo narrado sob impactos emocionais, desafios intelectuais e complexos processos decisórios. Uma grande contribuição para perceber a dimensão nobre e miserável do poder.
De fato, a leitura da obra remete à ideia do divã no cenário psicanalítico; mais que um relato, uma verdadeira catarse devolve ao mundo, o mundo como ele é, com traços maquiavelianos da contundente realpolitik; enfim, compreendi melhor Ortega Y Gasset que incorpora ao arquétipo do político as “virtudes da magnanimidade” e a “missão criadora que é fazer grandes coisas”.
Ao tornar as anotações públicas, em vida, FHC se mostra desvestido das maneirices de praxe, da racionalidade acadêmica, do atributo pessoal da gentileza ao descrever o drama do cotidiano que é governar. Humano francamente humano, quando afirma: “Decidi não omitir minhas próprias vacilações, dúvidas e contradições”.
Com ele, convivi no ambiente parlamentar, no processo de impeachment de Collor, na defesa do parlamentarismo, no governo Itamar onde conheci o FHC solícito, solidário e paciente, ajudando, em sofridos 75 dias, o breve Ministro da Fazenda.
De volta à Câmara, juntei-me aos que acreditavam no êxito do Plano Real para, em seguida, contribuir, modestamente, nas costuras da aliança política e programática (PSDB/PFL) que levaria FHC à Presidência da República.
Como Ministro do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal, estive mais próximo do Presidente. Despachos curtos para assuntos rotineiros e alongados sobre a visão estratégica do Brasil. Certa vez perguntei: ´- como o Senhor suporta o nhenhenhen, o inferno da micropolítica em contraste com a sofisticada formação de sociólogo? - Krause, o isolamento desta cadeira fez três vítimas: Getúlio, Janio e Collor”. E Dilma, diria, hoje.
De FHC, o mais ferrenho adversário há de reconhecer a inesgotável capacidade de diálogo e a inabalável crença nas instituições democráticas, enfrentando a solidão do poder ao lado de Dona Ruth, segundo ele, “perfeita como primeira-dama”.