Nesta quarta-feira, 10 de Maio, o Brasil tem encontro marcado consigo mesmo: em Curitiba, capital do Paraná, vão estar pela primeira vez, frente a frente, o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, e o ex-presidente Lula da Silva, arguido em pelo menos cinco processos, sob suspeita de corrupção.
Como na trama de um filme, este é o momento-chave em que se enfrentam dois dos personagens centrais que encarnam os polos da contradição em jogo. Se o filme fosse um western, este seria o momento do duelo decisivo.
De um lado, o jovem magistrado que preside aos julgamentos em primeira instância dos envolvidos na Lava Jato – a maior operação de sempre contra a corrupção no Brasil - o que lhe granjeou grande notoriedade nacional e internacional.
Do outro, o antigo sindicalista de origem humilde, que fez história ao chegar à presidência, o homem de quem Obama disse um dia, numa reunião do G20, “Este é o cara!”. Lula saiu do cargo, em 2008, com mais de oitenta por cento de aprovação e ainda hoje desfruta, segundo as sondagens, do apoio de pelo menos um terço do eleitorado.
À primeira vista, a leitura é simples e contrastante: de um lado, a luta contra a corrupção; do outro, o financiamento ilegal da política e dos políticos, tudo concentrado num caso exemplar para mostrar que, num país democrático de direito, ninguém está acima da lei.
Mas este não é um “filme” menor, de bons contra maus, heróis e bandidos. Os personagens e o contexto são complexos, a leitura não é fácil e o desfecho pode ser surpreendente.
Lula – já se percebeu há muito tempo (pelo menos desde o Mensalão, em 2005) - não é propriamente um santo. E o PT, com os seus esquemas, muito menos.
Moro, por seu turno, também já mostrou alguma falta de isenção: basta lembrar a desnecessária detenção coercitiva do ex-presidente para um primeiro interrogatório, o convívio sorridente do juiz com alguns políticos sob denúncia, ou ainda a divulgação de gravações obtidas fora do prazo, contra parecer do próprio Supremo...
Em qualquer circunstância, os partidários de Lula, que se mobilizam para ir a Curitiba acompanhar o depoimento frente ao tribunal, irão sempre dizer que o juiz foi politicamente motivado e que o objetivo não é tanto fazer justiça como sobretudo liquidar moralmente Lula e eventualmente impedir que se recandidate à presidência, em 2018.
Movidos pelo desencanto tardio ou pelo antagonismo político que sempre lhe dedicaram, muitos insistem, no entanto, em que “se faça justiça” e a cabeça de Lula lhes seja servida numa bandeja.
Mas o caso não é tão óbvio. Não só pelas paixões políticas que pode desencadear – sempre com o perigo de manifestações violentas e confrontos em perspectiva – como pelas circunstâncias propriamente jurídicas que envolvem os processos.
Se as denúncias não tiverem a fundamentá-las provas e evidências concretas e insofismáveis, poderá Moro condenar só com base em declarações e na sua aparente convicção de que Lula era o chefe do esquema de corrupção.
Os magistrados dividem-se e há já fraturas expostas no próprio Supremo, ameaçando aprofundar a crise sistémica no país.
À espreita estão já políticos mais radicais, prontos a explorar o descontentamento de ambos lados. Aconteceu em Itália no final da Mãos Limpas e pode acontecer aqui no fim da Lava Jato.
Afinal, ao pôr em causa políticos de todos os quadrantes – por mais que os media centrem as atenções em Lula – a operação policial parece ter gerado uma espécie de união sagrada, “com Supremo e tudo”, destinada a “estancar a sangria”, como dizia – em gravação oculta - um dos políticos denunciados.
O “filme”, como se vê, é tudo menos simples. A trama é extremamente complicada e os resultados ainda incertos. Por mais decisivo que se apresente, o duelo de quarta-feira pode por isso não ser ainda o fim da história.