Às 07:00 horas da matina, você, entre desperto e irresignado, se levanta para mais um dia que promete. Ser exatamente igual aos outros.
Entre melancólico e emocionado, você constata: como este pijama me faz feliz! E estes chinelos?
Devo minha paz - ou o que resta dela - a eles.
Ovos, pão, café. E aqui termina o seu contato consigo mesmo; vai vestir sua armadura. Pesada. Cada dia mais, e mais, difícil de carregar.
Cansa-se no trânsito – isto aqui é um inferno, tivesse eu um cavalo branco …-, mas olha logo ali no semáforo: cinco panos de chão por R$ 10,00 - vou chamar o cara. A alegria do vendedor te deixa entre pensativo e irresignado. Meu Deus, quanta alegria por R$ 10,00! Esta sociedade facínora consegue produzir sorrisos em quem tudo espolia – tudo. E isto logo cedo!
O trabalho burocrático, mecânico, é apenas um meio de vida - a sua vida.
Sem alegrias ou tristezas dignas de nota, você, irresignado, só pensa em sair dali o quanto antes; mas ali permanece por 08:00 horas, ansioso. E irresignado.
Intervalo para algumas alfaces e um grelhado - não era exatamente isto o que você queria, mas, entre esfomeado e irresignado, você volta ao computador. Quando descobre que o servidor parou de responder. E começa, então, a pensar na vida - por três ou quatro minutos -, até se decidir pelo café. Da máquina, no fim do corredor – horrível.
Entre amargo e irresignado, volta aos papéis.
Estes papéis que construíram a civilização, e que agora parecem ter perdido todo o sentido.
Entre ácaros e espirros, você avalia o custo da produção daquele memorando: o tempo despendido, as cópias - em papel -, a distribuição, a energia, a água, as árvores, o solo, a vida, dos insetos e bactérias, destruída, para informar que no dia 25 não haverá expediente.
E avalia o custo daqueles outros ofícios ali, aquele processo e aquele procedimento; aquela pesquisa que emperrou - vai ser mesmo necessária, hein? -, esses relatórios, e esse levantamento de dados; esses papéis na sua mesa; a sua mesa.
Constata, entre atordoado e irresignado, que o mundo, a sociedade, a civilização, poderia perfeitamente sobreviver sem esses papéis - inclusive sem os seus papéis, os papéis que lhe foram confiados.
É a extinção de uma era. Você pressente. Mais que isso, no fundo, no fundo, você, já há algum tempo, sabia: aquele tic-tac que insistia em ser ouvido, mesmo nas horas de tranquilidade - de felicidade? -, avisava.
Avisava, avisava. Avisava.
Entre o chão que, então, parece lhe faltar, e a luz no fim do túnel, que você não vê, se estabelece a náusea, e, entre, ainda atordoado e irresignado, você se levanta e caminha como morto até o bebedouro, no fim do corredor - horrível.
Os panos de chão lhe vêm à cabeça; a alegria do vendedor - de quem vai conseguir pagar o almoço, sobreviver -, tão singela e tão vital.
Que direito, afinal, você tem de se sentir um trapo?
Entre insana e incontida, a força da vida insiste, persiste; e, como qualquer ser vivente – das bactérias que deram a vida para você saber que no dia 25 não haverá expediente, àquele monge tibetano alheado de tudo quanto é comércio (será mesmo?) -, você perseverará; e insistirá, mesmo sem a alegria que esse mundo doente insiste em lhe negar ...
Mas, espere aí, você é o mundo; o mundo é você quem faz, quem dimensiona e quem constrói – é você quem projeta.
Então, entre claudicante e reconciliado, você entende que, muito provavelmente – e muito em breve
-, vai ter que arrumar outro modo de se sustentar, e daí? A esta altura do campeonato, tá, e daí?
E, antes, contudo, vai ter que aceitar o que seus olhos vêm te mostrando já há algum tempo; o que o seu coração vem intuindo: você se deixou adoecer, se deixou exaurir: pelo consumo, pelo status quo. Vai ter de continuar a dar satisfação aos outros – é assim que se vive em sociedade, não adianta -, mas não vai sofrer mais por conta disso; não vai sofrer para adquirir o relógio ou o carro da moda, quando você já sabe, que a alegria pode estar em ter um pedaço de pano de chão – e vão ter de aceitar você assim, não adianta, porque é assim que se vive em sociedade!
Você está cansado, muito cansado, é verdade - mas o mundo inteiro também está.
A questão é aprender a descansar, não desistir.
Não existe o “tudo ou nada” na natureza, pode reparar: tudo se arranja, e é exatamente entre arranjos e rodeios que a beleza, a arte, a sabedoria, se fazem ouvir. E outra coisa: no dia 25 não vai ter expediente!