Contemporaneamente, no Brasil, o homem da mala é figura que vem deixando os bastidores para assumir o protagonismo que a história sempre lhe negou.
Pego em flagrante em ações controladas, ou acidentalmente descoberto no emaranhado de delações que se avolumam pelos quatro cantos, o homem da mala começa a despertar para o seu insuspeitado imenso poder: o de abrir o bico.
E a exercê-lo - o que, não raro, põe em alvoroço toda sorte de contratantes, amigos de longa data, irmãs, primos, cunhados, correligionários em geral, deflagrando crises homéricas de ansiedade e choro incontido. Tudo muito vexatório.
E então, diante deste quadro, que vem já se desenhando há algum tempo, e da evidente demanda reprimida que se criou, surge o manual para a seleção do homem da mala - o guia fácil e rápido para todo aquele que não pode dispensar os serviços do homem da mala e não quer ter que passar pelo vexame de ter de se explicar em cadeia nacional. Ou só em cadeia mesmo.
O guia, inicialmente, esclarece que o homem da mala é antes de tudo, um ser humano sensível, e como tal deve ser valorizado, nunca subestimado; na verdade, mais que isso - o homem da mala é um amigo como poucos, porque reúne as virtudes de possuir péssima memória e encarar com naturalidade o vai-e-vem de bolsas, mochilas, pochetes (argh!) e malas.
De avião, trem, metrô, táxi, über, ônibus, ou a pé, o homem da mala nunca se opõe a ir - seja onde for, e, principalmente a voltar. Com a mala.
Ocupadíssimo com o vai-e-vem, o homem da mala perfeito para o cargo, jamais seria capaz de precisar com exatidão o que vai na mala. Nem para quem vai; ou de quem veio. Nem quando - e muito menos porquê.
O homem da mala é, por definição, um desapegado, não presta atenção ao noticiário; à família, filhos, religião ou ética, ou moral. Nada disso. É um abnegado.
O homem da mala deve ser simpático e fotogênico - porque, pego em flagrante, ou não, um dia, mais cedo ou mais tarde, a mídia o encontrará, as câmeras o acharão, e, sendo a opinião pública essa terra vasta e insondável, conquistável pela fotogenia, não custa atentar para este detalhe, até porque, como se sabe, nesta República, detalhes são sempre coisas muito grandes pra esquecer.
Figuras dadas à ansiedade, ao nervosismo, não se qualificam a homem da mala; não sabem esperar e podem por tudo a perder - e por tudo entenda-se tudo mesmo: as jóias, os jantares em Paris, as roupas de grife, o pedalinho, o mocotó, o ministério, a presidência, e a buchada com os aliados no fim de semana.
Assim é que, escolhido o homem da mala sem atenção às lições básicas do guia, não há muito a fazer, que não lamentar a falta de profissionalismo das respectivas assessorias. Essa gente muito bem paga e sem vocação para a coisa.
E, na hipótese de prisão do homem da mala guindado ao cargo sem o necessário processo seletivo, é melhor se preparar para o pior.
Já pensou? Moço fino, educado, de família, indo pra Papuda de camburão?
É quando o homem da mala se transforma no potencial homem-bomba.
Mais cedo, ou mais tarde, ele vai entregar o que sabe; e o que não sabe também.
Por isto, nesta fase, é fundamental prometer mundos e fundos ao homem da mala; tranquilizar o homem da mala, cuidar da família do homem da mala, levar os filhos, a religião, ao homem da mala; apelar para a ética e a moral do homem da mala - que sempre foi um abnegado.
Dólares. Muitos dólares. Dólares e abnegação sempre caminham lado a lado.
Contudo, é preciso que se advirta: a experiência e o estudo sistemático das interações do homem da mala com o meio, vêm demonstrando que, quando a casa ameaça ruir, quando a vaca direciona-se a passos largos para o brejo, e as portas do inferno se abrem, não há muito mais a fazer.
O homem da mala é um ser intuitivo e vai buscar a salvação em terreno seguro: normalmente com mais de 1000 m2 e à beira mar.
Não há volta. Nada é mais devastador do que o que o homem da mala tem a dizer: a horrorosa, abominável e desprezível verdade.
E a verdade o libertará.
Quanto a você, meu tresnoitado incauto, o seu destino será, ao menos no curto prazo, o rodapé da história.
Da próxima vez, atente para as lições do guia.