Eram três da tarde. O sol incandescente do inverno nos trópicos havia convidado todos para um café; ou suco; ou água; coxinhas ou mortadelas em cubos na copa, na cozinha, ou na área externa do prédio daquela estatal de fomento à indústria, ao comércio - e otras cositas más -, que se localizava no coração da capital daquela República latino-americana.
Todos felizes, discutiam as bobagens que a imprensa vinha especulando sobre a lisura dos investimentos que optavam por fazer. É que a polícia daquele lugar cismara que havia alguma coisa errada com o apoio financeiro dado a dois primos, que se tornaram os maiores produtores mundiais de clips para papel.
Quanta leviandade, meu Deus! Uns trogloditas que nada sabiam acerca do mercado mundial de clips para papel, arvorando-se no direito de discutir as escolhas de analistas profissionais! Só mesmo numa República de bananas!
Divertidos, surpreenderam-se, no entanto, com passadas pesadas: ouvidas, num primeiro momento, ao longe, mas logo se tornando próximas... muito próximas...
- Ai, meu Deus!!! É o Banana-Steals!!! O monstro mítico dos trópicos!!!
- Parou aqui em frente ao banco!!!
- Eu achava que era só uma lenda!!!
- Não é não!!! O meu pai diz que na década de setenta o Banana-Steals apareceu por aqui!!! Foi rápido, não se demorou porque se assustou com a falta de saneamento básico!!!
- Temos que correr!!! Vamos, vamos!!!
Francisco, que nunca parava para o café, coxinha ou mortadela em cubos, continuava imerso naquele longuíssimo relatório que a chefe lhe entregara: não conseguia entender onde teriam ido parar aqueles 4 bilhões que não batiam na contabilidade da empresa. Sabia-se que estavam relacionados aos empréstimos aos primos dos clips de papel, mas não havia meio de localizá-los. Representavam exatos 10% do total, mas não havia meio de localizá-los. Onde teriam ido parar aqueles 10%?
Funcionário exemplar, Francisco nunca, jamais, em trinta anos de banco se atrasara sequer um minuto; ou saíra sem ter trabalhado ao menos duas ou três horas extras. Era o famoso CDF, o Caxias da repartição: os demais o hostilizavam – a chefia o amava.
Pau para toda obra, o conhecido pé de boi, nunca tirava os olhos dos papéis. Sempre absorto no trabalho. Jamais olhava pela janela. Nunca reparou nas mudanças de estações: no incandescente sol do verão. Da primavera e do outono. E do inverno, também.
Não percebeu o monstro se aproximando... Não ouviu nada... Exatamente como nos trinta anos precedentes.
E de repente, em sua máxima fúria, o monstro extraiu do chão o prédio da estatal – com a facilidade de quem extrai um clip de papel!
Agarrou a construção e começou a destroçá-la, quando, então, viu o burocrático olhar de espanto de Francisco - sim, seus olhos cruzaram-se, numa total ausência de entendimento mútuo.
Por que, cargas d´água, este burocrata não correu como os demais? Pensou o monstro.
Por que, Santo Deus, serei eu o único sacrificado? Pensou Francisco.
Isto não é justo! Eu sempre fui o mais dedicado, o mais correto, e...
- Choomp, Nhoc, Nhoc, Choomp ,,, Foi devorado pelo monstro, que, mesmo insatisfeito, deixou cair o edifício e foi-se embora: não se conformava, ainda, com a falta de saneamento básico - Que horror! Que horror! Argh!
Refugiados em outras estatais, ou nos ministérios próximos, os demais funcionários confraternizavam!!! Haviam sobrevivido ao Banana-Steasl!!!
É bem verdade que sentiram a perda do Francisco. Por meio minuto.
- Mas o que ele fazia, afinal?
- Procurava diferenças na contabilidade.
- Isto é uma bobagem – nunca houve diferenças na empresa!
- É verdade! Especulações dessa mídia golpista!
- Claro! Uma leviandade!
- Sem dúvida.