Além de revelar uma baita desconfiança entre o presidente da República e seu sucessor imediato, o desentendimento de Michel Temer com Rodrigo Maia por causa da migração de uma dúzia de dissidentes governistas do PSB para o DEM desnudou a ponta de um iceberg de bandalheiras pronto a abalroar o que ainda resta da imagem do atual sistema político.
Graças ao arranca-rabo, descobriu-se que deputados e senadores articulam, na reforma política, a antecipação para setembro ou outubro da “janela” para trocas de partido que só seria aberta em março de 2018.
Ficou claro que a feira já começou, e que está sendo inflacionada pela reforma que vai instituir o financiamento público das campanhas e mudar o critério de distribuição dos recursos entre os partidos.
Nossos legisladores alcançaram um nível tal de desfaçatez que não sabemos mais o que esperar do próximo parecer, da próxima votação, ou mesmo quais contrabandos vão entrar na lei na calada da noite.
O que se sabe até agora é que, além de abrir a janela, a reforma política, que deve ser aprovada a toque de caixa pela Câmara e pelo Senado para valer nas eleições do ano que vem, vai mudar os critérios de distribuição de recursos que hoje valem para o fundo partidário.
Em vez de manter o número de deputados eleitos no último pleito federal como base para repartir a maior fatia do dinheiro, levará em conta o tamanho atual das bancadas - ou seja, depois do troca-troca.
Com o financiamento público das eleições, o fundo eleitoral vai alcançar no mínimo R$ 3 bilhões.
No vale quanto pesa das bancadas, já começou nos bastidores uma corrida desenfreada entre as legendas, para engordar seus cofres, e entre os deputados, que estão sendo precificados.
Essa aritmética divide o total destinado ao partido pelo número de integrantes da bancada. Alguns já estariam colocando seus passes à venda, multiplicando algumas vezes esse valor básico, e forçando para que a “janela” se abra logo, já que, sem ela, quem muda de partido perde o mandato. E em março do ano que vem o bonde já passou.
O preço desses mandatos pode oscilar se a reforma política trouxer também duas boas e profiláticas medidas, destinadas justamente a limitar a farra do número de partidos: o fim das coligações nas eleições proporcionais e a cláusula de desempenho nas eleições para que um partido tenha tempo de TV e representação plena no Parlamento.
O risco de desaparecimento de algumas legendas, e a inviabilidade de pegar carona nos grandes partidos para eleger deputados, podem aumentar o movimento migratório - e engordar ou emagrecer o passe de alguns.
Nem todos os que mudam de partido são movidos por interesses pecuniários ou subalternos.
O pessoal do PSB que negocia com o DEM, por exemplo, quer mudar de partido para ficar no governo, seja ele o de Michel Temer ou o de Rodrigo Maia. É um direito deles, que vão prestar contas a seus eleitores.
Afinidades políticas e ideológicas à parte, porém, a preocupação número 1 de cada deputado que vai votar a reforma política é o financiamento de sua reeleição.
O que mais choca é que isso tudo está se passando quase ao mesmo tempo em que o Legislativo vota uma denúncia contra o presidente da República por corrupção, no rastro da maior investigação que já atingiu o establishment político do país, num momento de exaustão do sistema e enorme rejeição da população aos políticos.
Nessas circunstâncias, o lógico seria esperar uma reforma política saneadora, corrigindo as mazelas e estabelecendo regras perenes para o sistema eleitoral e partidário. Não aprenderam? Não. Se há alguma coisa que une praticamente todos os partidos hoje é o apoio à reforma do vale quanto pesa.