A perda da consciência do próprio valor é o que transforma humanos em consumistas autômatos.
Gerações que viram sistematicamente desvalorizados o hábito da leitura, e, sobretudo, o hábito de pensar, sustentaram o armagedom da dignidade humana. Regado que foi, a toda sorte de futilidades descartáveis.
Esvaída pelo ralo. Exatamente como o xampu caríssimo que mantém brilhantes as mechas loiras da quase totalidade do ocidente. Por três meses, sem retoque.
Forjado em um mar de plástico, eis aí, então, o individualismo categoricamente egoísta do século XXI.
Fazer frente à demanda de bilhões de desgarrados e inseguros mamíferos por pequenas porções de conforto emocional requer bilhões de escravos, também sistematicamente desumanizados por jornadas de dezesseis, dezoito horas.
Comendo mal, dormindo mal, vivendo mal, exploradores e explorados, espelham, na pantomima do dia a dia, o mundo sórdido e vulgar que frequenta a humanidade neste início do terceiro milênio.
Esgotou-se um planeta inteiro para alimentar-se egos.
Até, finalmente, esgotaram-se os egos. É a suma.
Envolveu-se bilhões de mamíferos na loucura, na ânsia, por se obter um status que não se arrima, não resiste, sequer ao olhar entediado daquele que não se deixou levar pela horda ensandecida, ou, que tendo comprado três sapatos exatamente iguais, porque esquecera-se dos anteriores, flagrou-se miseravelmente idiota e só, diante do armário, e reabilitou-se, ante a visão do buraco sem fundo que é o humano que não se respeita.
Seres ordinários, reles carcaças, envoltas em lixo descartável. Apoiando suas almas, a sua essência, em lixo descartável. A estupidez humana é soberba.
E, então, a visão do inferno, há de nos carregar de volta. De volta para o amanhã, que já não se entrevê em meio a tanto lixo.
Nem só de plástico vive o homem. Será o mantra dos novos redentores.
Evidentemente que não se compreende a humanidade sem a manufatura.
A essência de cada qual de nós está justamente em criar e concretizar os sonhos, o pensamento, a filosofia, a arte.
Mas a dignidade de cada qual de nós só se mantém quando a criação inclui o outro. Quando há tempo para o outro.
Nenhum de nós se humaniza sem pensar o outro. Em essência.
Nem que for para mantê-lo à segura e confortável distância de nossos egos. Porque, como se sabe, e isto é pacífico - e mais do que nunca, neste narcísico início de terceiro milênio -, o inferno são os outros.
Contudo, inferno muito pior, é olhar-se no espelho do armário - aquele, o dos sapatos -, e enxergar um palhaço sem sentido.
Apartar-se do outro, traz sossego, mas também a angústia da incompletude, que não se aplaca com porcarias ridiculamente baratas - ou ridiculamente caras -, confeccionadas e vendidas por insones mal alimentados para mal alimentados e insones, em quase todas as praças do mundo.
Principalmente quando se sabe - sejamos francos -, que não há mais planeta para tanto entulho.