Atingir o grau de palhaço demanda tempo.
O sujeito inicia a carreira, quando inicia na carreira.
Trabalha e estuda muito; ou só trabalha, ou só estuda, muito; ou não faz nada disso, mas vai prestando muitos favores pelos caminhos certos, às pessoas certas. Ou tudo isso somado.
Vai, assim, galgando a trilha do poder: um cargo aqui, outro acolá. Compra imóveis imponentes para receber os amigos. Às vezes muitos amigos; às vezes poucos, mas poucos e bons.
E receber a parentaia. Às vezes, a parentaia do cônjuge.
Sim, porque a esta altura, o sujeito já ficou importante, e se casou com alguém com dinheiro; ou já juntou dinheiro pra casar com alguém importante.
E sabe como é: a parentaia tem amigos, que tem parentaia, que tem amigos...
Negócios geram negócios; dinheiro gera dinheiro, e, a esta altura, deixa de importar de onde vem o dinheiro. Ou os negócios.
Ou para onde vai.
É que indivíduos que vêm de baixo têm o péssimo hábito de se embriagar com o poder. E indivíduos que vêm de cima, também.
E vai daí, que o sujeito se vê imerso em um seu inusitado universo particular.
Perde o contato com a realidade.
Crente que a realidade é o que ele pensa e diz que é.
É quando, já munido de muita maquiagem e sua roupa acolchoada, o palhaço entra em cena para suas primeiras performances: vai à praça pública defender a criação de fontes d’água nas praças públicas do semiárido; o fim das reservas florestais na Amazônia; ou a soltura de corruptos presos em flagrante com a boca na botija.
E, de malabarismo, em malabarismo, eis que chega o dia em que o camarada perde completamente a noção do ridículo. E sai às ruas sem a maquiagem e sem a roupa acolchoada; grita e bate o pé, que o Estado é ele!
É o descaramento total.
Absolutamente embriagado, o palhaço pronto e acabado, de tão imerso em si, ri da própria inteligência superior e espirituosidade; um espanto!
Nem precisa mais de plateia!
Embora sempre hajam idiotas na primeira fila. No gargarejo.
Sempre há idiotas nas primeiras filas. Nas primeiras carteiras. Nos primeiros bancos.
Em essência, são os idiotas que cultivam os palhaços. E vice-versa.
Mas, um belo dia, um clarão de decência irrompe no universo paralelo em que habita o palhaço: é a realidade. Que sempre se impõe. Mesmo aos mais alucinados.
É que não há mal que sempre dure, justamente porque não há bem que nunca se acabe.
E, então, confuso, trôpego, o clown caminha aturdido até o espelho e pensa: será que foram aquelas costelinhas com farofa no almoço? Ou foi a couve?
- Não, meu filho – diz São Pedro.
- Nem foi o ódio aos escrupulosos, que isto aí estamos fazendo vista grossa. Foi o excesso, meu filho: o excesso!
- Mas eu estou muito bem. Vou ficar aqui com o Senhor.
- Vai não, meu filho. Tá aqui por engano: teve uma mudança de interpretação na jurisprudência; e o seu bonde já tá vindo bem ali! Vai com o Demo, meu filho, fique com os seus! Partiu inferno!