Pela primeira vez no Brasil, e em um dos seus momentos históricos mais críticos, duas mulheres estão à frente da Justiça: Raquel Dodge, que acaba de tomar posse como procuradora-geral da República e Cármen Lúcia, a primeira mulher a presidir o Supremo Tribunal Federal.
A Justiça, desde a Grécia Antiga – onde era uma deusa – até hoje, sempre foi simbolizada por uma mulher com uma balança em uma mão, símbolo da equidade, e uma espada na outra, com que aplica o castigo. E com os olhos vendados, para expressar sua imparcialidade.
O vendaval da corrupção político-empresarial que assola o Brasil colocou o exercício da Justiça no centro da atenção da sociedade e seus tribunais na posição mais destacada.
A conjunção de duas mulheres assumindo a máxima autoridade judicial neste momento não deixará de ter repercussão já que, se existe uma instituição dominada pelos homens, é a Justiça e seus tribunais. Mudará algo na Justiça do Brasil esse forte componente feminino no topo da pirâmide? Até que ponto a influência masculina que domina a Justiça permitirá a essas duas mulheres expressar-se com toda a riqueza de suas personalidades?
A presença feminina na vida pública brasileira é quase testemunhal. No Congresso, só 10% são mulheres e, às vezes, para se defender do domínio masculino, caem na tentação de se esquecerem de ser mulheres para imitar os homens.
Mudará com as duas mulheres o modo de fazer justiça no Brasil impedindo que se politizem os tribunais ou que se justicialize a política? O desafio não é fácil nem pequeno, mas, se for vencido, pode ser um momento de liberação e de equilíbrio entre as instituições. Daí a curiosidade em uns e o medo em outros para saber que caminhos vão tomar essas duas mulheres e até que ponto saberão livrar-se da “proteção” que vão querer lhes oferecer os homens dado que, no subconsciente masculino, a mulher, mesmo no topo do poder, precisaria ser monitorada pelos homens.
Sem dúvida, tudo dependerá da personalidade de Raquel e Cármen Lúcia, de serem capazes de imprimir seu selo à Justiça em um de seus momentos históricos mais delicados e turbulentos, com toda uma classe política acusada de ilegalidade e em busca de mecanismos legislativos para salvar a própria pele e sair ilesa do incêndio.
Por isso os olhos da sociedade estão voltados para a biografia dessas duas mulheres no comando do mundo judicial. Talvez o mais positivo de ambas seja que nenhuma delas aparece como protagonista ou populista, mas como executivas sérias e respeitadas em seu campo, com biografia sem sombras. Se lhes falta biografia de novela, mostram, por outro lado, sobejo preparo jurídico e acadêmico. O que a sociedade pede hoje às duas mulheres à frente da Justiça é que se limitem a seu papel profissional sem querer invadir a esfera da política, e que sejam capazes de atuar atendo-se estritamente aos cânones do Direito.
Se Cármen Lúcia e Dodge forem capazes de fazer que o exercício da Justiça seja igual para todos, sem classes privilegiadas, e corrigir eventuais abusos na nobre guerra da Lava Jato contra a corrupção a fim de evitar que desvios da lei possam ofuscar sua eficácia, já terão dado uma contribuição à Justiça que vive momentos tensos e perigosos.