Em tempos de ampla exposição, corrupto que se preze tem que saber se portar; como agir, como se colocar diante das câmeras, dos jornalistas, enfim, tem que cuidar de sua imagem.
O sujeito pego com a mala na mão, ou a mão na mala, deve ter ensaiada a sua cara de espanto e correspectivas interjeições: mala? Que mala?
Da mesma forma, o indivíduo que foi gravado; o semblante de indignação deve estar ensaiadíssimo: isto é uma leviandade! Uma leviandade!
Picaretas pegos em flagrante, ou quase, não podem, de forma alguma, parecer arrogantes, presunçosos – pega muito mal; de modo que, a postura certa é a do homem público impoluto e ultrajado: isto é uma mentira! Uma mentira!
É bem verdade que passar a imagem de homem público impoluto, para alguns, pode se tornar um desafio intransponível: requer o aspecto de quem está trabalhando muito, indo e vindo, fazendo muitas coisas; parecer um leitão capado, cozido de preguiça, pega mal; muito mal.
É também preciso se vestir bem, ternos de bom corte, boas camisas, e até calças jeans, para andar entre o povo.
- Povo?
- É, povo: enquanto não for preso, o pilantra deve se aproximar - mas não muito -, do povo.
- Ah!
Não adianta querer andar mulambento, fazendo o coitado, porque vai pegar mal; muito mal.
Um ladrão também não deve ofender outro ladrão, chamando-o de ladrão. Ou de bandido, vigarista, nojento – tchan!
Como se sabe, a classe dos ladrões nos trópicos, tem se mostrado muito desunida ultimamente, e é, exatamente por esta razão, que o sujeito que se colocar acima dos xingamentos, vai se destacar como um picareta gentleman. Finíssimo.
Numa entrevista, por exemplo, o calhorda pode se referir a outro calhorda aludindo a um, quem sabe, eventual erro seu, um lapso, um equívoco; mas nunca dizer que ele roubou muito, ou que está roubando muito, ou que a família dele, toda, rouba muito. Isso pega mal; muito mal.
A questão das tornozeleiras eletrônicas é, igualmente, muito importante: o sujeito não pode, simplesmente, passar na frente do outro na fila para pegar sua sonhada tornozeleira: é preciso esperar, como um cavalheiro, a sua vez de sair da cadeia; não é assim, vai atropelando a ordem; a sociedade está acompanhando e acha tudo muito desagradável. Que horror!
No item alimentação, é, de fato, necessária muita cautela: o indivíduo encarcerado não pode sair aí pedindo delivery de restaurante cinco estrelas: tem que comer a marmita igual a todos os demais presos; é preciso demonstrar humildade e respeito às normas e deixar pra ostentar depois, se suas contas no exterior não forem bloqueadas.
Agora, se o bandido estiver solto, nada obsta possa ele comer um pastel frito, naquele óleo de cinco dias de uso, uma coxinha Jesus está chamando, ou a velha e boa buchada de bode: um ícone!
Como tudo na vida, ter boas maneiras depende muito de ter bom senso, o que, à primeira vista, pode parecer difícil para indivíduos que de tão alucinados pelo dinheiro fácil, perderam o contato com a realidade, mas não é impossível. Compostura é uma coisa que pode ser recuperada. Ou muito bem fingida.