Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Primeira sessão:
“Passava um pouco da meia-noite quando ela chegou.”
“Um pouco?”
“Sim, devia ser algo entre meia-noite e dez e meia-noite e quinze.”
“E você estava sozinho?”
“Não, estava com o silêncio, com meu cachorro, minhas lembranças e a insônia.”
“Insônia?”
“Sim, a insônia me persegue há algum tempo.”
“Isso é um pouco preocupante.”
“Concordo, mas o problema parece não ter solução, para dizer a verdade, nos últimos meses, o máximo que consigo são cochilos relâmpagos.”
“Certo, mas voltemos ao princípio, quando ela chegou, pouco depois da meia-noite, encontrou-o cochilando ou totalmente desperto?”
“Totalmente desperto, os cochilos costumam chegar só depois das quatro.”
Segunda sessão:
“Ela retornou ontem.”
“Presumo que, novamente quando passava um pouco da meia-noite.”
“Passava um pouco de meia-noite e meia, aliás, permita-me uma correção, ela retornou hoje, e não ontem.”
“E você novamente estava com o silêncio, com seu cachorro e suas lembranças?”
“Sim, ah, e a insônia, você não mencionou a insônia.”
“Sei, sendo assim, naturalmente você estava novamente desperto?”
“Naturalmente.”
“O que ela fez, exatamente?”
“Ela falou.”
“E o que fez você?”
“Apenas ouvi, ouvi atentamente e, devo confessar, com uma alegria inusitada.”
Dezessete sessões depois...
Vigésima sessão:
“Ela continua a me visitar e, suas visitas, que no princípio causavam-me estranheza, agora são para mim um refrigério balsâmico.”
“E ela continua chegando durante as madrugadas?”
“Não, agora ela chega com regularidade, mas não em um período específico, às vezes vem pela manhã, às vezes â tarde, no início da noite... enfim, simplesmente vem.”
“E... ela vem pela escada ou pelo elevador?”
“Isso é relevante?”
“Sim, é preciso seguir o fluxo, obedecer ao método.”
“Ela vem voando, como um anjo que estivera adormecido e acordou em mim.”
“E sobre o que ela fala?”
“Sobre terra, água, fogo, ar, e tudo o que os elementos comportam, ela tem uma autoridade transcendental, uma sapiência que me acalma e restaura.”
“Ela é bonita?”
“É bonita, sim, masculina, porém doce e suave.”
“Acho que você está apaixonado por essa mulher estranha e misteriosa!”
“Hein? Não... Ela é uma voz.”
“Oh! Sério? Nesse caso, vamos ter de reiniciar os trabalhos... do zero.”