No último dia 20 do mês de junho se comemorou o dia mundial do refugiado e por ser uma questão humanitária dramática comentaremos algo sobre a instituição deste dia, a lei nacional de amparo ao refugiado e, não esquecendo do cinema, sobre o documentário italiano Iuventa do diretor Michele Cinque, que trata dos resgates marítimos promovidos no Mar Mediterrâneo.
A primeira dúvida a surgir é a diferenciação entre migrante e refugiado. O que têm em comum é o fato de estarem se deslocando pelo globo terrestre, mas o que os distingue é o motivo deste movimento. A definição de refugiado está no próprio Estatuto dos Refugiados (Convenção de Genebra de 1951) já em sua abertura e que resumidamente seria toda pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por conta desses temores, não pode ou não quer regressar ao seu país. O Estatuto dos Refugiados de 1951 em nosso território está na redação da Lei nº 9.474 de 22 de julho de 1997.
Já o migrante são aquelas pessoas que saem de seus países por “opção” e em busca de melhores condições de vida e sobrevivência. A lei brasileira de amparo é outra, a Lei de migração 13.445 de 2017, que estabeleceu um melhor tratamento ao migrante em comparação à lei pretérita 6.815 de 1980.
Um pouco sobre o documentário Iuventa, ele relata as atividades de jovens ativistas europeus envolvidos com o projeto humanitário da ONG alemã Jugend Rettet. Do que se tratava o projeto? Todos lembramos dos botes saídos da costa africana e que ficavam à deriva no mar mediterrâneo, matando dezenas de pessoas. Esses jovens fizeram um crowdfunding (espécie de “vaquinha” online) para comprar o barco Iuventa e daí passaram a resgatar pessoas e levá-las a território europeu.
Como era de se esperar, não tardou para que o poder punitivo da União Europeia atuasse e após pouco mais de um ano de projeto, foram acusados de tráfico internacional de pessoas. O bode expiatório foi o português Miguel Duarte, processado e sujeito a 20 anos de prisão.
Muito bem, dados os dados principais, pensemos o seguinte, e o coronavírus nos ajudará na análise. Quando olhamos um mapa em um antigo atlas, as divisões do território global entre países são ditas divisões políticas, ou seja, foram construídas por guerras e identidades nacionais; o globo em si não tem linhas demarcatórias e parece que são aplicadas e forçadas a serem respeitadas apenas pelos seres humanos, os vírus e outros animais as desconhecem.
Percebamos como é difícil entrar em outro país, alguns exigem vistos prévios, outros a equiparação; há inúmeras leis dificultando o livre trânsito de pessoas pelo mundo, com exigências de passaportes, entrevistas em polícias federais; para o reconhecimento de nacionalidade é pior ainda, um processo tortuoso que leva anos. O mesmo não ocorre com a movimentação de produtos e até de dinheiro pelo mundo.
A crise sanitária da COVID 19 aumentou ainda mais essas barreiras e para que o vírus não se propagasse, barram-se os que já eram indesejados nos territórios mais desenvolvidos. Mais ainda, o uso do poder punitivo e do direito penal se tornou contundente, até mesmo em um país como o Brasil, que é formado em sua maioria numérica por migrantes: vide a Portaria 770/2019 do Ministério da Justiça, que prevê até a possibilidade de prisão cautelar para garantia dos atos administrativos.
Por fim, as barreiras de fronteira criadas pelas pessoas impedindo o livre trânsito pela sociedade global parece um último espasmo do conceito de soberania criado no século XVI, que não fariam sentido no contexto atual de livre trânsito de dados, dinheiro, produtos e vírus. Psicologicamente, apenas 2% são realmente cosmopolitas e aceitariam encarar alguém de outra nacionalidade como sendo do seu mesmo círculo de “ser humano”. Até que este percentual aumente, haverá ainda muitos documentários de resgates humanitários de refugiados e imigrantes.